Nota do Filme :
Com as denúncias (e posterior condenação) sobre Harvey Weinstein e o surgimento do movimento #MeToo, era questão de tempo até que o Cinema se debruçasse sobre o tema a passasse a criar obras que, de uma forma ou de outra, abordam os universos tóxicos estabelecidos em sua indústria. Quantas de tais obras teremos é impossível saber, mas A Assistente, escrita e dirigida por Kitty Green, já tem garantido seu lugar entre as melhores.
Julia Garner vive Jane, a assistente do título, uma jovem que deseja um dia se tornar produtora e foi recentemente contratada por um executivo para auxiliar nas tarefas diárias. Na prática, a garota acaba fazendo as vezes de secretária do chefe e de seus dois colegas de trabalho com quem ela divide o escritório, organizando agendas, anotando pedidos de almoço e até mesmo limpando a sujeira provocada pelos outros. Ao longo dos oitenta e sete minutos de filme, acompanhamos basicamente um dia na vida (e no trabalho, tendo em vista que as duas coisas estão constantemente se misturando neste caso) da protagonista, no qual ela precisa lidar com a realidade permeada de assédios e abusos que a cercam.
Logo de saída é imperativo elogiar o trabalho de Garner, que acerta em todos os aspectos da composição de sua personagem, como o olhar e a entonação vocal, mas principalmente em exprimir a fadiga extrema que seu trabalho causa. Sua postura ao telefone durante a última cena deixa evidente seu nível de exaustão e o tanto de energia que lhe foi sugada por aquele ambiente, impedindo que desfrute de toda a sorte de coisas, do aniversário do pai a um cupcake. E, claro, a cena que se passa no RH fica no mesmo patamar, em angústia e em peso dramático, da cena que dá título ao igualmente soberbo Nunca, Raramente, Às Vezes, Sempre.
Outro ponto de acerto é a escolha em não dar um nome ao chefe, pois evidentemente Weinstein não foi o primeiro nem será o último, e atitudes como as dele são mais comuns do que se possa imaginar. Assim, a opção por não lhe dar nome deixa a simbologia – mais do que adequada – de que ele poderia ser qualquer um (algo semelhante ao ocorrido em Polytechnique). Já a voz do personagem, feita por Jay O. Sanders, adquire elementos de terror, como se fosse um sequestrador ou o vilão de Pânico falando ao telefone. E as próprias expressões de Jane deixam isso claro.
Já para ressaltar o comportamento de predador do executivo, há uma cena em que nada é dito e que utiliza apenas duas tomadas, nas quais vemos, durante cerca de um minuto ininterrupto, diversas fotos de atrizes candidatas a papéis saindo de uma impressora, e o olhar de visível desconforto da assistente.
O figurino também se torna um elemento de destaque, ao vestir Jane com uma roupa rósea cuja cor parece desbotada, reforçando a ideia de um apagamento que não permite que seu potencial seja plenamente alcançado. E quando entra em cena uma nova assistente, o mesmo efeito ocorre em sua roupa, dessa vez com um azul claro.
Já quando a moça se encontra em um momento crítico, sua imagem é colocada junto a um enorme muro, expondo o caráter emparedado em que ela se encontra após ter um pedido de apoio negado.
A falta de apoio, aliás, é uma constante, representada nos momentos em que as pessoas se mostram alheias ao que a jovem testemunha, seja por ignorância, seja por resignação.
É curioso notar como, embora não seja um documentário, assim como não é baseado em um caso verídico em específico (como O Escândalo, por exemplo), é difícil imaginar um filme mais real do que A Assistente, cuja precisão com a qual retrata suas diversas situações é ao mesmo tempo admirável e desoladora.
Historiador que acredita que a vida fica mais fácil quando vamos ao cinema.
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