Crítica | O Escândalo (Bombshell) [2019]

Nota do Filme:

“Alguém tem que se manifestar, alguém tem que se enfurecer.”

Gretchen Carlson

O Escândalo acompanha os acontecimentos reais que abalaram a estrutura do telejornalismo americano em 2016, após acusações de assédio sexual da repórter Gretchen Carlson (Nicole Kidman) contra Roger Ailes (John Lithgow), empresário e um dos membros de maior prestígio da Fox News. Ao mesmo tempo, Megyn Kelly (Charlize Theron) encara a pressão para se manifestar em favor de algum dos lados.

Ninguém discute a importância da divulgação sobre casos do gênero, sobretudo ao considerarmos o alcance extensivo de um longa-metragem. Isto é, por mais que a Fox News seja uma das gigantes do jornalismo norte-americano, não é muito exagerado crer que este filme pode ser o primeiro contato da audiência com o efetivo escândalo, ainda mais se considerarmos outros países, locais nos quais a sua divulgação certamente não foi tão intensa.

Todavia, O Escândalo acaba não tendo o efeito denunciador que aparentemente tinha intenção de ter, a começar pela falta de consistência do tom da história. Nesse sentido,  tenta balancear diferentes acontecimentos da emissora, o que acaba por tomar tempo de tela considerável que poderia ser melhor gasto com o desenvolvimento de suas personagens que, com a exceção de Kelly, são um tanto quanto superficiais.

Ademais, há problemas perceptíveis quanto ao roteiro da obra. Escrito por Charles Randolph, mais conhecido por A Grande Aposta, utiliza-se da mesma estrutura narrativa deste, isto é, uma filmagem tradicional ocasionalmente interrompida por quebras da quarta parede para uma explicação e/ou alívio cômico. Aqui, porém, esse estilo se mostra extremamente prejudicial, vez que corta o momentum dramático do ato sem, contudo, ser feliz em sua sátira.

É impossível não se perguntar se o tema não seria melhor aproveitado por um filme do gênero documental. Dessa forma, poderia-se abordar as minúcias do ocorrido, sem truques narrativos que, com o devido respeito, apenas minam a seriedade do trabalho final porque, por mais que não vá totalmente na veia de seu trabalho anterior, o texto de Randolph contém certos segmentos que simplesmente não são condizentes com a temática abordada.

Ao mesmo tempo, há uma carência de urgência preocupante no modo com o qual o roteiro se desenrola. Trata-se de um dos maiores escândalos da televisão americana, contudo, a audiência não sente o impacto dos acontecimentos, ao menos não da maneira que Jay Roach, diretor, intentou.

Nesse sentido, por melhor que sejam as atuações – e são, de fato, o fator mais forte da obra – tanto Robbie como Kidman e Theron estão limitadas pelo texto que lhes é entregue. Afinal, há um limite para o quanto ótimas atrizes conseguem elevar um material de qualidade inferior. A personagem de Margot, inclusive, única não baseada em uma pessoa específica não possui qualquer personalidade discernível, sendo um mero amontoado de clichês.

O foco do filme, por óbvio, foi o ambiente de trabalho indevido oferecido pela Fox News, um que era conivente com assédios sexuais e outras condutas reprováveis. Todavia, por vezes passa a impressão de que esse tipo de comportamento se limita à emissora o que, infelizmente, está longe de ser verdade. Não se trata, aqui, de uma mera maçã podre, mas sim de condutas sistêmicas que pessoas com poderes se recusam a corrigir.

Sendo assim, O Escândalo aborda uma importante ocorrência na história midiática. A (correta) queda de um gigante da indústria que, aproveitando-se de sua posição, para assediar mulheres. Contudo, um roteiro fraco, acrescido de métodos narrativos duvidosos acabam por minar o bom trabalho do trio principal de atrizes. O resultado é meramente mediano o que, considerando a importância da temática, está longe de ser aceitável.

Filme visto durante o 21º Festival do Rio, em dezembro de 2019