Crítica | Doutor Estranho no Multiverso da Loucura (Doctor Strange in the Multiverse of Madness) [2022]

Nota do filme:

“Os sonhos são janelas para nossos eus multiversais.”

Stephen Strange (Doutor Estranho)

Doutor Estranho no Multiverso da Loucura segue  o personagem título (Benedict Cumberbatch) após os acontecimentos de Homem-Aranha: Sem Volta para Casa. Porém, quando, um monstro interdimensional interrompe o casamento de sua antiga paixão Christine Palmer (Rachel McAdams) para perseguir uma jovem menina chamada America Chavez (Xochitl Gomez), vê-se forçado a confrontar sua antiga colega, Wanda Maximoff (Elizabeth Olsen) para manter o Multiverso protegido.

Sam Raimi é um dos diretores mais interessantes para comandar, talvez, o projeto mais ambicioso da Marvel desde Ultimato. Com uma alta autoralidade e conhecimento do subgênero – dirigiu a trilogia original do Homem-Aranha, inclusive, lembrando-se, em especial, do excepcional Homem-Aranha 2 –, era a escolha perfeita para liderar o misto de loucura e terror que o longa precisava. Mas, por mais que essa fosse a promessa, a entrega é aquém do que poderia ser.

Isto porque Doutor Estranho no Multiverso da Loucura, em que pese não ser um filme ruim, jamais alcança o nível que poderia. Há um tipo específico de amargor quando uma obra do Cinema parece querer ser mais, mas é barrada por uma força invisível – que apenas pode-se crer serem determinações do estúdio.

Como dito anteriormente, Raimi é um diretor bastante autoral, com um trabalho sendo facilmente reconhecível. A utilização abundante de ângulos holandeses é uma de suas marcas e está presente aqui, de modo a aumentar o desconforto do espectador nos momentos certos. Contudo, o que de fato exala da película é a sua clara inspiração no gênero do terror. Aqui, o talento do cineasta transborda em diversos momentos, em especial quando lida com a Feiticeira Escarlate. A tensão que ele consegue criar em tela pela mera montagem é nada menos que excepcional.

Ao mesmo tempo, utiliza de mais gore do que poderia se esperar de uma produção da Disney. Ainda que seja limitado pela classificação indicativa PG-13 (ou “para maiores de 13 anos”), a violência sugestiva é forte, sendo reforçada e estimulada pelo inteligente posicionamento de câmeras e momentos contorcionistas que evocam um terror corporal interessante na grande vilã do filme.

Esta é uma boa oportunidade para reforçar o quanto os atores estão empenhados em seu papel, de modo a transbordar carisma em suas muitas facetas. Em que pese não ser a melhor performance da Elizabeth Olsen no MCU – que permanece sendo o seu desempenho total em sua própria série, WandaVision –, a sua entrega é louvável, rivalizando com Benedict Cumberbatch, este em sua melhor aparição no Universo Cinematográfico.

Contudo, a despeito de todos esses fatores positivos, a sensação final é um tanto quanto amarga, sendo impossível não imaginar que a uniformidade da Marvel tenha podado qualquer quebra de paradigma mais intensa. Isto porque, ainda que Doutor Estranho no Multiveso da Loucura consiga, por vezes, escapar da “fórmula Marvel”, há uma clara relutância em se fazer uma ruptura total, de modo que o filme não alcança o seu potencial total.

Nesse sentido, o começo da história carece de qualquer senso de urgência, por mais que tente, por meio de um aglomerado de ação e efeitos especiais, transmitir essa sensação. A bem da verdade, todo o primeiro ato possui essa sensação de falta de perigo, como se fosse apenas mais uma etapa até se chegar ao evento principal. Cita-se aqui, sem maiores detalhes, um importante confronto no Kamar-Taj, um dos locais de maior mistério da franquia, que não recebe a devida atenção.

A progressão do roteiro ajuda, demonstrando de maneira concreta maiores consequências à narrativa, em especial envolvendo os protagonistas. Contudo, a inserção de diversos cameos e fanservice encontra o seu limite muito rapidamente, servindo, de fato, a demonstrar o quão obscenamente poderosa é a Feiticeira Escarlate, mas, ao final, deixa uma sensação de vazio no espectador, como se a sua adição fosse meramente parte de uma check-list do roteiro – o que muito possivelmente era.

Ao mesmo tempo, parece haver um gap no desenvolvimento da história que não é coberto por qualquer material do MCU anterior a esse. As menções feitas pelos personagens às atividades de Mordo (Chiwetel Ejiofor) após o final de Doutor Estranho, por exemplo, não encontram suporte no Universo Cinematográfico, uma vez que esse é o primeiro retorno do personagem desde aquele longa. É possível, inclusive, que muitos tenham se esquecido até mesmo de quem é, o que é justo, considerando que faz 7 anos desde o seu lançamento.

Mais estranha, porém, é a transformação de Wanda em vilã desde WandaVision. Afinal, ainda que os eventos daquela série sejam graves e demonstrem a sua capacidade destrutiva enquanto enlutada, certo é que são tratados como anomalias, com Maximoff demonstrando remorso ao final. É possível, é claro, traçar uma linha desses acontecimentos até o presente, contudo, não apenas reforçam um estereótipo um tanto quanto fácil de se transformar a figura feminina mais poderosa da franquia em um ser faminto por poder e consumido pela loucura como, também, ocorrem completamente fora de tela, de modo que à audiência resta completar as lacunas com as suas próprias crenças.

Com isso em mente, ainda que a resolução do conflito da personagem seja razoavelmente inteligente, evocando diálogos/cenas anteriores em uma clara coesão do roteiro, o desfecho em si é desprovido de criatividade. A partir deste momento, há maior interesse do estúdio em estabelecer os planos para os próximos filmes. Assim, a obra acaba por sucumbir à uma fórmula que permite picos de excelência, mas se prende à uma uniformidade que visa podar qualquer tipo de autoralidade.

A verdade é que, mais do que qualquer outra obra do MCU, esta tinha o verdadeiro potencial de quebrar os paradigmas de seus antecessores e revolucionar a franquia, permitindo maiores experimentos em longas que o sucedessem. Todavia, parece haver um medo por parte da Disney em seguir qualquer trilha nebulosa. Trata-se de um risco, é claro, mas Cinema demanda riscos, pois, sem eles não há qualquer inovação.

Por fim, não há nada de flagrantemente terrível em Doutor Estranho no Multiverso da Loucura que não o agridoce de uma oportunidade desperdiçada. Ruim? Jamais. Chato? De modo algum. O maior defeito do filme é seu conformismo em ser apenas levemente acima da média.