Crítica | O Homem do Norte (The Northman) [2022]

Nota do Filme:

O conto de Amleth inspirou William Shakespeare a escrever Hamlet e serviu de base ao novo filme de Robert Eggers (A Bruxa, O Farol), O Homem do Norte. Trata-se de uma antiga lenda nórdica de vingança que também deu origem ao longa Jutland: Reinado de Ódio (Prince of Jutland, de Gabriel Axel), em 1994, estrelado por Christin Bale, Brian Cox e Helen Mirren. A história segue o jovem príncipe Amleth (Alexander Skarsgård), que presencia seu tio Fjölnir (Claes Bang) matar seu pai, o Rei Aurvandil (Ethan Hawke).

Depois de testemunhar o assassinato de seu pai, Amleth, ainda criança, foge, mas sem deixar de jurar, como uma espécie de mantra interior, vingar seu pai, salvar sua mãe, a Rainha Gudrún (Nicole Kidman) e matar seu tio. Os anos se passam e ele volta adulto, integrando um grupo de vikings violentos, que saqueiam aldeias e matam por diversão. Com classificação indicativa de 18 anos, a violência impera nas cenas de luta e sem pudor, espadas adentram com crueza a carne humana.

Não há como pensar em Hamlet, ou melhor, no próprio Shakespeare, sem lembrar da insigne frase “ser ou não ser, eis a questão”. Alheio à violência a seu redor e sendo um dos causadores do caos, Amleth precisa encontrar seu propósito e decidir o homem que quer ser. O personagem lida com a barbárie como costume, mas sabe que está predestinado a retomar o seu lugar e que a vingança é o seu destino. Ser ou não ser, seguir ou não o seu caminho é o que o filho do rei morto deve refletir e escolher para continuar sua trajetória.

O lado sobrenatural e fantasioso da película é evidente e marcado por culturas antigas e rituais sórdidos. No entanto, tudo se mistura e provoca a imaginação, revelando um mundo coeso, onde tudo faz sentido, com riqueza de ideias e criatividade impecáveis. É notável o esmero e o cuidado da produção com pesquisas e estudos no processo de elaboração do roteiro, conectando o campo espiritual com o cotidiano de maneira firme e plausível.

Enquanto em Jutland: Reinado de Ódio, o príncipe Almed (Christian Bale) finge estar louco para concretizar sua vingança contra o tio Fenge (Gabriel Byrne), Amleth foge e se fortalece, transformando-se em um guerreiro viking, em O Homem do Norte. Aquele traz o conto do príncipe de forma mais amena e este tonifica a história com magia e violência que, a despeito da discrepância, combinam na realidade da narrativa criada e, com uma certa didática, facilitam a imersão do espectador.

Anya Taylor-Joy une-se ao elenco no papel de Olga da Floresta de Bétula, escrava junto de Amleth, que acaba por prometer mais do que cumpre. Sua personagem é enigmática e destemida, mas não se desenvolve e mostra-se praticamente descartável. Ela termina não contribuindo muito para o desenrolar da trama, quase não passando de mero interesse romântico do protagonista e seu arco acaba ficando sem desfecho.

Além de Anya, Alexander Skarsgård e Nicole Kidman, o filme conta com Ethan Hawke, Willem Dafoe e Björk, esta em um entusiasmado papel de feiticeira, a Seerees. Os personagens são bem apresentados e os sotaques e as línguas diferentes são acentuados e pronunciadas na medida certa a interagir com o restante do enredo.

Com uma fotografia interessante, que aproveita para ressaltar elementos importantes da cena e uma trilha sombria que ambienta o espectador à realidade repleta de cultura e magia, a obra é rica e consegue facilmente transportar o público ao universo criado. Separado em capítulos, o longa explora cada um, acrescentando substâncias à narrativa e deixando-a fluida, mesmo com suas mais de duas horas de duração.

O filme aborda o conto de Amleth, abraça o mundo violento dos vikings e abarca crenças, dentro da acentuada mitologia nórdica em seu enredo, sem deixar de lado a assinatura de Robert Eggers na direção. O resultado é uma primorosa obra, com identidade, que deve despertar o interesse de conhecer mais sobre os assuntos abordados e a mitologia utilizada.

É certo que o momento em que o rei quer consagrar o filho para ele ter o mérito de vir a ser seu sucessor no reino, conta com um ritual um tanto repulsivo e talvez aqui seja o instante divisório para o público. O espectador que naturalizar o episódio e aceitar que a ideia faz parte da fábula criada, passada a estranheza inicial, tem tudo para digerir o restante com facilidade e embarcar na trama, envolvendo-se com o universo nórdico e lúgubre de Robert Eggers.

O Homem do Norte estreia em 12 de maio de 2022 nos cinemas.

Direção: Robert Eggers | Roteiro: Robert Eggers, Sjón | Ano: 2022 | Duração: 137 minutos | Elenco: Alexander Skarsgård, Nicole Kidman, Claes Bang, Ethan Hawke, Anya Taylor-Joy, Björk, Gustav Lindh, Elliott Rose, Willem Dafoe, Phill Martin, Eldar Skar.