Crítica | Asteroid City (2023)

Nota do Filme:

Goste ou não, Wes Anderson faz parte de um clube restrito de diretores que vêm se mantendo surpreendentemente coesos ao estilo que desenvolveram através da carreira. Desde Os Excêntricos Tenenbaums (2001), sua filmografia está repleta de títulos que abordam assuntos sérios através de uma estética lúdica e humor bem peculiar. Há quem não goste, mas a mística que envolve seus trabalhos acaba explicando o enorme interesse no novo Asteroid City.

A Crônica Francesa (2021), seu último filme, pode não ter sido unanimidade, mas nada abala seus fãs, sempre religiosamente fiéis à espera de um novo clássico contemporâneo. Infelizmente, Asteroid City não alcança o nível extraordinário de Moonrise Kingdom (2012), O Grande Hotel Budapeste (2014) ou dos próprios Tenenbaums. Mas, ainda que falte a sensibilidade narrativa de seus melhores trabalhos, este não deixa de ser um Wes Anderson autêntico e, como tal, uma bela experiência.

Cena de Asteroid City.

Como em A Crônica Francesa, a trama de Asteroid City conta uma história dentro de outra história. Nela, Bryan Cranston é o apresentador de uma espécie de documentário televisivo que vai abordar a fictícia história retratada na peça homônima, escrita pelo dramaturgo interpretado por Edward Norton. O que vemos no filme é uma história contada em três níveis: a encenação da peça, seu processo de escrita e montagem e o documentário produzido mais tarde.

É na encenação de “Asteroid City” (a peça) que se desenvolve a maior parte do enredo e onde vamos encontrar os (muitos) personagens principais. No ano de 1955, estudantes de diversos lugares dos EUA e seus pais chegam à cidade de Asteroid City para participar de uma convenção de astronomia. Porém o evento é interrompido por um acontecimento extraordinário que vai mudar o rumo de todos na cidade.

Temos aqui mais um filme de Anderson, também roteirista de Asteroid City, que reveste um tema sério numa camada generosa de tintas em cores pastel. Augie, interpretado por Jason Schwartzman, é um fotógrafo de guerra que acabou de perder a esposa e não consegue ser o apoio que os filhos precisam. Enquanto está na cidade, ele começa a se interessar por Midge (Scarlett Johansson), uma atriz depressiva que também está levando sua filha para a convenção.

Scarlett Johansson e Jason Schwartzman em cena de Asteroid City.

Os dois são perfeitos exemplos de como o filme discute o sentido da vida. Tanto Augie quanto Midge lutam contra os fantasmas internos que os prendem a estigmas e crenças altamente limitantes. A monotonia da cidade força cada personagem, em algum momento, a se questionar sobre a forma como leva a vida ou o lugar onde se encontra. Mas Asteroid City não tem intenção de buscar respostas, pois avisa, logo de cara, que não se pode acordar sem, antes, dormir. É preciso simplesmente viver para encontrar o sentido.

Porém, ainda que o roteiro teça boas reflexões, não consegue torná-las tão relevantes, porque se perde num enredo mais complicado do que deveria ser. É verdade que, no cinema de Anderson, muitas vezes, o estilo se sobressai à história, mas é preciso uma certa fluidez narrativa para fazer dar certo. Ao contrário de A Crônica, aqui os diversos personagens estão ligados por uma história mais coesa, porém o fio narrativo continua pouco consistente.

Isso porque falta um protagonista que, de fato, conecte os personagens e conduza o enredo de uma forma harmoniosa. A decisão de Anderson por contar uma história dentro de outra, com personagens diferentes em cada nível, deixa a narrativa truncada e impede que ele se concentre num arco principal. Ainda que o problema não seja tão grave quanto o de A Crônica, Asteroid City teria se beneficiado muito de um roteiro mais simples que capturasse melhor o interesse do espectador.

Bryan Cranston em cena de Asteroid City.

Em contrapartida, a direção cria planos muito interessantes e bastante fluidos, tirando o maior aproveitamento dos cenários, construídos apenas para o filme. Como esperado, o design de produção é impecável, porque, além de encantador, consegue reproduzir uma natureza cenográfica plástica que faz muito sentido para a narrativa. A impressão é que os enquadramentos simétricos de Anderson foram feitos para filmar uma cidadezinha pacata como essa.

Outro grande destaque de Asteroid City é a fotografia em tons quentes e saturados, mas capturada na luz natural do deserto, o que faz toda a diferença. Existem muitas cenas de sol à pino, mas também muitas gravadas durante o pôr-do-sol e ao anoitecer, quando podemos apreciar as belíssimas composições cênicas de Robert D. Yeoman e Tristan Oliver, seus colaboradores de longa data. Já a trilha sonora de Alexandre Desplat deixa tudo ainda mais bonito, dando um toque todo especial à narrativa.

Tradicionalmente, os filmes de Wes Anderson são verdadeiros eventos entre os fãs. Com Asteroid City, que estreia nos cinemas nesta quinta-feira (10), não é diferente. A questão é que este deve ser tão divisivo quanto seu último trabalho. O excesso de tramas acaba, muitas vezes, tirando o espectador do filme e dificultando uma experiência que tinha tudo para ser bem mais satisfatória. Mas o lado bom é que, mesmo não alcançando as expectativas, a magia particular do universo de seus filmes continua tão maravilhosa como sempre foi.