Crítica | Beau Tem Medo (Beau Is Afraid) [2023]

Nota do filme:

Nunca adeus, sempre até logo.

Em seu mais novo terror, Ari Aster, diretor, roteirista e coprodutor do longa, nos apresenta uma história um tanto quanto interessante, em que a paranoia do protagonista passa a ser nossa também. Beau (Joaquin Phoenix) vive em um lugar caótico e sem segurança. O caos é tão grande que, a partir de certo ponto do filme, fica difícil distinguir o que é imaginação do que é a realidade caótica, seja dos arredores de seu apartamento ou de sua cabeça.

De início vemos que a relação entre ele e sua família é distante e complicada. Seu pai é falecido, e a mãe, Mona (Zoe Lister-Jones), apesar de falar ao telefone com o filho de forma muito amorosa, mora longe e o trata com certa condescendência, aparentemente por saber de seus problemas psicológicos. Beau se trata com um Terapeuta (Stephen Henderson) com regularidade, mas o tratamento aparenta não ser suficiente para toda a carga emocional que nosso protagonista comporta em sua mente.

Em uma de suas tentativas de sair de casa, Beau se atrapalha nos preparativos para visitar a mãe no aniversário de morte do pai. A mãe, mesmo frustrada, demonstra paciência e compreensão para com o filho, este que claramente não consegue tomar decisões sozinho, e pede ajuda para ela sobre o que fazer em relação à bagunça que se tornou a sua vida.

Depois disso a confusão aumenta exponencialmente, a ponto de trazer uma angústia desoladora ao espectador. Beau vê, em um curto espaço de tempo, seu cartão de crédito recusado, sua casa invadida e devastada por moradores de rua, recebe a notícia de que sua mãe faleceu e, para coroar toda a sua desgraça, é esfaqueado e atropelado pelado no meio da rua.

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Por mais incrível que pareça, o atropelamento cai como uma bênção na vida do nosso protagonista. Ele é acolhido por Grace (Amy Ryan) e Roger (Nathan Lane), que lhe dão os primeiros socorros e o recepcionam em sua própria casa. O casal começa a tratar Beau como um filho, e logo entendemos o porquê: eles perderam o próprio filho na guerra há alguns anos e nunca superaram a perda. Eles possuem outra filha, Toni (Kylie Rogers), que se sente excluída graças à adoração infindável dos pais ao irmão morto, e agora a Beau.

Ao acordar na casa de Grace e Roger após dois dias inteiros dormindo, Beau retoma seu maior pesadelo: lidar com o luto da perda da mãe e conseguir chegar à casa dela para poder enterrá-la de forma digna. Neste momento as coisas voltam a ser angustiantes e entendemos que aquela aparente benção da acolhida é, na verdade, apenas mais uma desgraça na vida do nosso protagonista. O casal que parecia amável, agora se mostra controlador; a filha excluída começa a demonstrar sinais de revolta; Beau, que só queria ir para casa, fica cada vez mais confuso e preso naquele ciclo interminável.

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Neste ponto, Ari Aster, diretor e roteirista, começa a utilizar o recurso de flashbacks para mostrar o tipo de relação estranha e controladora que Beau e a mãe tinham em sua infância. Em suas férias em um navio, o jovem Beau conhece Elaine (Hayley Squires), uma garota com personalidade forte que logo o encanta. A mãe da menina, que se mostra muito agressiva, logo separa os jovens e retira-a do navio às pressas quando flagra os dois se beijando.

De volta ao presente, Beau tenta incansavelmente voltar para a casa da mãe, mas sempre acontece algum imprevisto; enquanto isso, ele é mantido como refém das circunstâncias, ao mesmo tempo que é tratado como mero convidado, como se todos ali estivessem lhe fazendo um favor. Neste momento, tudo muda repentinamente: nosso protagonista se vê em uma situação bizarra com Toni, é culpabilizado por algo que ele não teve culpa alguma e é perseguido por Jeeves (Denis Menochet). Por fim, Beau consegue finalmente fugir e é resgatado por uma mulher desconhecida que o leva para um acampamento de itinerantes no meio do mato.

A partir de então, vemos o mais puro suco de Ari Aster: uma peça trágica sobre o futuro de Beau, com casa, família, filhos e muitas perdas; perseguição e incontáveis mortes sem sentido; flashbacks de uma infância perturbada e confusa; altas doses de surrealismo; e uma relação entre mãe e filho completamente abusiva. Enfim, Beau finalmente chega na casa de sua mãe, mas, aparentemente, não a tempo de um último adeus.

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Beau Tem Medo do que é verdade, do que poderia ser, do que é real apenas em sua mente, do que não é, e, principalmente, do que sua mãe diz que é. Uma vida toda permeada por inseguranças fez dele uma pessoa completamente retraída e assustada diante de tudo, tornando-o incapaz de desenvolver o livre arbítrio e de tomar decisões por si mesmo.

O filme é, em si, um verdadeiro pesadelo, recheado de momentos que doem a alma de tanto constrangimento. A trama evolui para um desfecho digno dos terrores psicológicos do diretor e roteirista. O sentimento de angústia é predominante desde os primeiros 15 minutos de filme, revezando com um falso sentimento de alívio que nos toma de tempos em tempos. A paleta do filme em seu início é predominantemente fria e vai esquentando conforme a trama evolui, controlando os sentimentos do espectador. Ari Aster também dirigiu outros filmes em coprodução com a A24: Hereditário (2018) e Midsommar (2019), ambos excelentes, e contam com a crítica completa em nosso site.