O texto a seguir é continuação da análise “Zuko – Um Arco Convincente – Parte Dois”. As partes um e dois estão, respectivamente, nos links a seguir: https://cinematologia.com.br/cine/zuko-um-arco-convincente-parte-um e https://cinematologia.com.br/cine/zuko-um-arco-convincente-parte-dois/.
Falsa Conquista e Redenção
No Livro Três somos apresentados a um Zuko completo, ou ao menos que pensa ser completo. Após o clímax da última temporada, o personagem retorna à sua Nação como um herói. Seu pai o recebe de braços abertos [1] mas, ainda assim, seu desconforto é nítido. Não apenas por saber que Aang sobreviveu, mas porque percebe que em sua jornada para recuperar a sua honra perdeu o seu eu verdadeiro.
Ao perceber que há algo de errado, o personagem reage de maneira previsível: com ira. Sua primeira visita ao seu tio na prisão [2] busca reafirmar a si mesmo que fez a escolha certa. Ao não encontrar resistência por parte de Iroh, se sente vazio e sua fúria cresce. É somente em sua viagem à praia [3] que entende que a origem de sua raiva são suas próprias ações. Zuko se arrepende se reprime e não consegue encarar o próprio vazio. Desse modo, sua raiva acaba por afetar aqueles ao seu redor.
No sexto episódio da temporada [4] ocorre uma das revelações mais importantes do seriado. Semelhante ao episódio “A Tempestade” do Livro Um, temos novamente um conto do passado que busca trazer uma possível redenção ao personagem.
Sua própria linhagem define a sua dualidade, uma vez que descende não apenas de Sozin, Senhor do Fogo que deu início à Guerra, como também de Roku, Avatar anterior a Aang, incapaz de prever e evitar o conflito em questão.
Importante notar, também, como a série tem um total controle de sua narrativa. Ao retratar, ainda no Livro Dois, o dualismo do personagem, foram utilizados dois dragões, um azul e um vermelho. Aqui percebe-se que a raiz dessa escolha eram as cores dos dragões de seus antepassados, respectivamente, Sozin e Roku.
Dessa maneira, é traçado um paralelo entre seus antepassados e Zuko e Aang. Os primeiros começaram sua história como amigos íntimos e a encerraram como inimigos. Assim, ambos foram responsáveis pela Guerra, cada qual à sua maneira. Sozin, como Senhor do Fogo, agiu de modo a dar início à empreitada militar. Já Roku, Avatar responsável pela manutenção do equilíbrio no mundo, foi omisso quanto aos seus deveres, falhando na prevenção do confronto.
Desse modo, Zuko e Aang, inicialmente inimigos, estão fadados a encerrarem sua jornada como aliados, bem como destinados a trazer equilíbrio ao mundo. O episódio funciona como um prelúdio do encerramento da própria série.
Finalmente é chegado o momento de sua redenção. No dia do eclipse solar [5], Zuko decide agir de modo a se redimir não perante ao seu pai, mas perante si mesmo. O simbolismo nas suas ações é discreto e, ao mesmo tempo, importantíssimo.
Ao se despir de sua armadura, Zuko representa a antítese do excessivo militarismo de sua Nação. Ainda no mesmo ato, retirar uma camada usualmente utilizada como proteção demonstra que o personagem abraça a própria vulnerabilidade, antes escondida. Ao enfrentar o Senhor do Fogo, utiliza a técnica defensiva de seu tio, o que demonstra uma rejeição aos ensinamentos violentos de seu pai. O fato da técnica ter como base princípios da dominação da água reforça que o personagem expandiu as suas fontes e não mais se limita ao seu país. Por fim, contemplado com a possibilidade de finalizar seu pai, comprova sabedoria ao evitar tal tipo de vitória, demonstrando que entende o seu papel na reestruturação do equilíbrio do mundo.
Determinado, desempenha um importante papel no fim da Guerra. A despeito de ter se redimido perante si mesmo, encontra dificuldades em convencer seus antigos adversários [6]. Por mais que encare grande rejeição no começo, sobretudo por Katara, Zuko permanece em seu novo caminho, certo de seu papel.
Válido ressaltar que, mesmo após ser aceito no grupo, ainda há espaço para maiores nuances. Anos de obsessão se mostram persistentes, de modo que a sua redenção resultou na perda de sua dominação [7].
Assim, Zuko e Aang partem em busca dos antigos Guerreiros do Sol para ter uma melhor compreensão acerca da dominação de fogo. A despeito de sua linhagem, o personagem é julgado pelos mestres Ran e Shaw, últimos dragões vivos, como digno, de modo que recebeu visões acerca de sua habilidade.
Após recuperar seus poderes, decide ajudar Sokka em uma perigosa empreitada [8]. Juntos, invadem a prisão de segurança máxima da Nação do Fogo. Na missão Zuko reencontra Mai, sua antiga namorada e amiga de Azula [9]. Em um rápido diálogo [10], percebemos a profundidade e o sacrifício pelo qual passou. Ele o fez não apenas por si mesmo, mas para garantir o futuro do próprio país.
Próximo ao fim da história se vê forçado a encarar o seu tio [11], aquele ao qual cometeu grave traição. Preenchido por remorso, não busca justificativas para suas ações, apenas implora o perdão daquele que sempre esteve ao seu lado. O reencontro é tocante e demonstra a profundidade da alteração do personagem.
Eventualmente sua redenção precisa ser comprovada em uma batalha contra sua irmã [12]. Em uma das lutas mais belas da saga, o personagem demonstra sua determinação e supera a sua irmã em confronto direto, forçando-a a utilizar uma tática suja. Nesse sentido, por mais que não tenha sido vitorioso per si, há que se ressaltar a sua vitória moral sobre a Azula.
Seu arco é completado com a sua coroação [13], ponto esse imprescindível para o final do confronto. Por mais que Ozai tenha sido derrotado, era necessário que seu sucessor compreendesse as necessidades de um país na posição que a Nação do Fogo se encontrava. Ainda assim, rejeita o protagonismo que sua conquista pudesse ter, isto porque tem ciência do seu papel na restauração do mundo. Por mais importante que seja, sua atuação deve ser complementar à de Aang.
Sendo assim, é impressionante o cuidado que os criadores da série, Michael Dante DiMartino e Bryan Konietzko, tiveram no desenvolvimento e crescimento do personagem. Isto porque trabalharam com as amarras naturais que acompanham um programa que tem como foco o público infantil. As ações do personagens jamais parecem desconexas, apesar da constante mudança pela qual passa. Ao contrário, há uma alteração lenta e gradual que torna um personagem fictício crível, quase real.
Importante ressaltar que Zuko não é uma exceção. Por mais que seja de fato o melhor exemplo de desenvolvimento de personagem da saga (e, defendo, um dos melhores arcos de séries em geral), todos os personagens principais possuem história e desenvolvimento convincentes.
Desse modo, pode-se dizer que Zuko iniciou sua jornada, ainda no Livro Um, como um antagonista dividido entre os seus deveres e desejos. Após ser rejeitado pela própria Nação, no Livro Dois, o personagem se tornou um anti-herói, interessado na própria sobrevivência ao mesmo tempo em que buscava, de maneira secundária, compreender qual seria o seu próprio destino. Enfim, no Livro Três, se transformou em um protagonista com um importante papel, cooperando para o término de uma Guerra que perdurava havia 100 anos e que jamais terminaria sem a sua intervenção.
[4] 3.06 – O Avatar e o Senhor do Fogo
[5] 3.10/11 – O Dia do Sol Negro – A Invasão/ O Dia do Sol Negro – O Eclipse
[6] 3.12 O Templo do Ar do Oeste
[7] 3.13 – Os Mestres Dominadores de Fogo
[8] 3.14 – A Rocha Fervente – Parte 1
[9] 3.15 – A Rocha Fervente – Parte 2
[10] Zuko: A questão não é você, a questão é a Nação do Fogo. Mai: Obrigada Zuko, isso me faz sentir bem melhor. Zuko: Mai, eu nunca quis te magoar, mas eu tenho que fazer isso para salvar o meu país. Mai: Salvar? Você está traindo o seu país. Zuko: Não é assim que eu vejo.
[11] 3.19 – O Cometa de Sozin – Parte 2 – Os Velhos Mestres
[12] 3.20 – O Cometa de Sozin – Parte 3 – Para o Inferno
[13] 3.21 – O Cometa de Sozin – Parte 4 – Avatar Aang
Carioca, advogado e apaixonado por cinema. Busco compartilhar um pouco desse sentimento.