O texto a seguir é continuação da análise “Zuko – Um Arco Convincente – Parte Um”, disposta no link https://cinematologia.com.br/cine/zuko-um-arco-convincente-parte-um.
Desenvolvimento e Tentação
No Livro Dois são tomadas importantes decisões de modo a sedimentar a redenção do personagem. Primeiramente, a introdução de Azula [1], irmã de Zuko, permite que o paralelo anteriormente traçado com Zhao se torne mais incisivo. Percebemos o custo da aprovação paternal que o personagem busca.
Nesse ínterim, uma vez que o Senhor do Fogo considera Zuko e Iroh responsáveis pelo fracasso da empreitada militar na Tribo da Água do Norte, os trata como inimigos do Estado. Até então antagonistas, Zuko e seu tio agora são refugiados, viajando a caminho da maior cidade do Reino da Terra, Ba Sing Se.
Como fugitivo, o personagem adquire perspectiva acerca da guerra, dessa vez pelo lado mais fraco [2]. Por mais que, como dito na análise anterior, nunca fosse um entusiasta da guerra, ainda não havia grande descrédito pela sua Nação.
Acerca de seu desenvolvimento, há um episódio específico de extrema importância. Toda a trama se dá sob a sua perspectiva [3]. Logo após se desentender com o seu tio, Zuko busca o seu próprio caminho. Desse modo, viaja até uma pequena aldeia do Reino da Terra onde é ajudado por uma família em dificuldades pela guerra. Lá cria um laço de amizade com o filho mais jovem, ao menos até ser relembrado, de maneira brutal, que não há como escapar de seu passado.
O capítulo também é bastante competente em nos mostrar situações problemáticas da Guerra causadas por soldados do próprio Reino da Terra que, sob o pretexto de proteger a pequena cidade, abusavam de seu poder para ganhos próprios. Assim, a Nação do Fogo não detém o monopólio sobre todas as tragédias no país, de modo que um cenário até então “preto e branco” ganha contornos cinzentos.
São dispostos, ainda, no decorrer do episódio, flashbacks sobre a infância do personagem. Há um enfoque grande na indiferença de seu pai, na constante provocação e falta de empatia de sua irmã e no amor de sua mãe, que some misteriosamente quando ainda era uma criança. O modo de criação do personagem é reforçado, aumentando ainda mais a compreensão pelos seus erros do presente.
Eventualmente, Zuko se reencontra com seu tio Iroh e, juntos, conseguem adentrar a cidade de Ba Sing Se. Ambos conseguem um emprego em uma pequena loja de chá, de modo que vivem uma vida pacífica. Há, também, espaço para Zuko se relacionar com uma jovem da cidade, ainda que brevemente [4].
Por mais que efetivamente esteja conseguindo seguir com a sua vida, o personagem é relembrado de sua obsessão. Isto porque descobre não só que o Avatar está na região como também perdeu o seu bisão [5], animal de estimação e principal meio de transporte dos protagonistas.
Após uma investigação, Zuko obtém a posse do bisão, algo tão precioso para seu adversário, o que o coloca em uma posição de grande vantagem. Nesse momento é confrontado diretamente por seu tio, que relembra seus erros do passado e faz simples perguntas para as quais o personagem não tem resposta [6], uma vez que sempre aceitou a realidade como lhe era apresentada.
Nesse episódio temos a primeira – tentativa de – cisão da dualidade do personagem. Zuko caminha em direção a pessoa que sempre deveria ter sido. Desse modo, o personagem entende que não precisa mais de seu alter ego e abandona a persona de Espírito Azul.
Após se ver forçado a encarar a própria crise de identidade, manifesta sintomas físicos [7]. Em uma alucinação, cercado por dois dragões, fica nítido que a sua dualidade é espelhada em seu próprio conflito familiar. Nesse sentido, os dragões azul e vermelho contam com as vozes, respectivamente, de sua irmã Azula e seu tio Iroh.
Ainda, em seu sonho, se enxerga com características físicas do próprio Avatar. Tal visão serve, novamente, como um prelúdio de sua futura aliança e o papel que deverá exercer na restauração do equilíbrio do mundo.
O conflito parece cessar no episódio seguinte [8]. Ao despertar, Zuko tem uma perspectiva mais otimista de seu próprio futuro. É gentil com o tio se vê ansioso para ajudá-lo com a nova loja de chá.
Entretanto, ao final do Livro Dois o personagem se vê diante de uma verdadeira encruzilhada [9]. Após ser capturado e mantido em cativeiro com Katara, é libertado por Aang e Iroh e deve finalmente decidir qual rumo irá tomar. Auxiliar a irmã na derrota da maior ameaça à sua Nação ou se manter fiel ao seu tio e trilhar o próprio caminho?
Por mais que tenha percorrido um longo trajeto para a sua efetiva recuperação, se ver tão próximo daquilo que sempre desejou faz com que o personagem caia em tentação, traindo seu tio e se aliando à Azula para derrotar o Avatar. Aqui, o personagem atinge o seu ponto mais baixo ao trair aquele que sempre lhe deu apoio, de modo que a sua redenção parece um ideal distante.
Todavia, essa queda na recuperação do personagem é imprescindível para a manutenção de uma narrativa coerente. Isto porque o caminho para o auto-aperfeiçoamento é difícil e pavimentado por erros. Assim, quando Zuko estiver com tudo aquilo que sempre achou querer, poderá contemplar suas ações em uma posição diferente, de modo a entender não apenas o vazio de suas conquistas mas também o seu alto custo.
[2] 2.02 – A Caverna dos Dois Amantes
[4] 2.15 – As Histórias de Ba Sing Se
[6] Zuko: O que o senhor faz aqui? Iroh: Eu ia te perguntar a mesma coisa. O que pretende agora que achou o bisão do Avatar? Vai trancá-lo no nosso novo apartamento? Eu devo fazer um bule de chá pra ele? Zuko: Primeiro eu tenho que tirá-lo daqui. Iroh: E depois o que? Você nunca para pra pensar nessas coisas. Foi exatamente o que aconteceu quando você capturou o Avatar no Polo Norte. Você o tinha e não sabia para onde ir! Zuko: Eu ia pensar em alguma coisa. Iroh: Não! Se os amigos dele não tivessem encontrado vocês, iam morrer congelados! Zuko: Eu sei o meu próprio destino? Iroh: É esse o seu próprio destino, ou é um destino que alguém tentou infligir a você? Zuko: Para tio, eu tenho que fazer isso. Iroh: Eu estou pedindo Príncipe Zuko, está na hora de você olhar para dentro e começar a se fazer as grandes perguntas. Quem é você, e o que você quer?
[9] 2.20 – Encruzilhadas do Destino
Carioca, advogado e apaixonado por cinema. Busco compartilhar um pouco desse sentimento.