Entende-se que o desenvolvimento de personagens é o principal motor de qualquer história. O arco narrativo decorre justamente da ascensão – ou queda – de personagens que, mesmo sendo fictícios, são hábeis em criar empatia junto aos espectadores. É possível, então, dizer que histórias que têm como foco personagens, não meros eventos, tendem a ser mais emocionalmente envolventes e, por extensão, recordadas com maior frequência.
É importante ter em mente como é plenamente possível contar uma história recheada de grandes momentos – ou cenas – e ainda manter o foco no desenvolvimento pessoal. Dessa forma, as cenas ocorrerão de maneira orgânica de modo a evidenciar o bom desenvolvimento dos personagens e, por extensão, do enredo. Uma série que conta com grandes arcos de personagens é a animação Avatar – A Lenda de Aang, por mais estranho que possa parecer àqueles que ainda não tiveram contato com o programa, ou àqueles que apenas assistiram à (péssima) adaptação aos cinemas.
Em síntese, a série trata de um mundo dividido entre quatro regiões – Tribo da Água, Reino da Terra, Nação do Fogo e Nômades do Ar – que possuem, cada qual, indivíduos dotados com a capacidade de controlar um dos quatro elementos – água, terra, fogo e ar. A exceção é o Avatar, que tem a habilidade de dominar os quatro elementos.
Uma massiva invasão da Nação do Fogo dá início a uma guerra que perdura há 100 anos. O Avatar tem o dever de manter o equilíbrio do mundo mas desaparecido desde o início do confronto. Finalmente é encontrado por Katara e Sokka, da Tribo da Água do Sul. Seu nome é Aang e estava congelado desde então, junto de seu bisão voador. Agora deve tentar encerrar a guerra e restabelecer a harmonia.
Feita a apresentação do enredo, o presente texto irá fazer uma análise de um dos personagens da trama – Zuko – e como o seu arco foi cuidadosamente montado. Como se trata de um seriado com 66 capítulos, o texto será dividido em três partes, cada qual abordando uma temporada da série. Ressalta-se que haverá spoilers no texto.
A Criação do Vilão
Zuko é o principal antagonista da série no Livro Um, introduzido já no primeiro episódio. Príncipe da Nação do Fogo, foi exilado pelo seu pai, fadado a buscar o Avatar de modo a garantir o sucesso militar de seu país na guerra. É acompanhado, em sua jornada, pelo seu tio Iroh.
Ainda nessa temporada somos apresentados ao General Zhao [1], figura fundamental na humanização de Zuko. Isto porque se torna possível traçar um paralelo entre ambos, de modo que enxergamos uma possível redenção ao personagem. Ao colocá-los em confronto direto, o seriado nos mostra o personagem na posição de “azarão”, o que o torna mais relacionável.
O desenvolvimento e empatia aumentam à medida que a história do personagem é aprofundada. Em um capítulo [2] dedicado a flashbacks do protagonista e antagonista, descobrimos que a ação que resultou no seu banimento fora nobre.
Percebemos que o personagem, ao contrário do que aparenta, apresenta boa índole e senso de justiça sendo, porém corrompido pelo meio no qual estava inserido. Seus traços de agressividade decorrem de sua criação deturpada. Sua obsessão em capturar o protagonista surgiu devido à desonra que sofreu perante seu pai, sendo, inclusive, marcado no rosto como forma de punição, um lembrete permanente de seu fracasso e da rejeição de seu pai. Assim, por mais paradoxal que seja, Zuko comete ações claramente imorais com o objetivo de redimir a sua honra, tudo porque associa “honra” à aprovação de seu pai.
Há, também, a introdução do Espírito Azul [3], seu alter ego. A criação dessa segunda persona serve para sedimentar a ideia de que Zuko não persegue o Avatar para garantir a vitória de sua Nação, mas sim como um meio de reconquistar o amor paternal. Ainda, no mesmo episódio, um rápido diálogo [4] com o protagonista semeia a possibilidade de uma futura aliança entre os dois.
Nesse sentido, desde já o dualismo do personagem é apresentado aos espectadores. Zuko está em constante batalha consigo mesmo, o que será profundamente trabalhado nas temporadas seguintes e irá sedimentar, eventualmente, a sua redenção.
Ao final do Livro descobrimos mais sobre o passado do personagem quando descobrimos que tem uma irmã [5]. Talentosa desde o seu nascimento, a Princesa da Nação do Fogo, conta com a aprovação do pai, o que aumenta o ressentimento do vilão.
Após falhar em capturar o Avatar, a primeira temporada se encerra com um prelúdio para Zuko. Devido ao fracasso deverá enfrentar, ainda, a repressão de sua própria Nação, de sua própria irmã.
[1] 1.03 – O Templo de Ar do Sul
[4] Aang: Sabe qual é a pior parte de ter nascido há mais de cem anos? Perder todos os amigos que eu tinha. Antes da Guerra começar, eu visitava o meu amigo Kuzon e nós dois arrumávamos muitas encrencas juntos. Ele foi um dos melhores amigos que eu tive e era da Nação do Fogo, como você. Se nós nos conhecêssemos na época, acha que seríamos amigos também?
[5] 1.20 – O Cerco do Norte – Parte 2
Carioca, advogado e apaixonado por cinema. Busco compartilhar um pouco desse sentimento.