Nota do Filme:
Um dos pontos que contribuíram de modo mais fundamental para o sucesso estrondoso do Universo Cinematográfico da Marvel foi não ter pressa em contar suas histórias. Ao longo dos seus mais de vinte filmes distribuídos em mais de uma década, cada personagem foi sendo introduzido no seu tempo, havendo o cuidado de criar (e, em alguns casos, encerrar) arcos muito bem desenvolvidos. Ainda assim, Natasha Romanoff/Viúva Negra (Scarlett Johansson) continuava a ser uma das personagens de quem menos sabíamos a respeito, convertendo-se em uma coadjuvante de luxo nas produções em que aparecia (o que, em se tratando de uma espiã, não deixava de apresentar certa coerência). Portanto, quando Viúva Negra foi anunciado, naturalmente a expectativa foi das maiores, ainda mais após os acontecimentos de Vingadores: Ultimato (2019), e a noção geral era de que havia chegada a hora de termos um filme centrado nela.
Neste caso, acompanhamos Natasha entre os eventos de Capitão América: Guerra Civil (2016) e Vingadores: Guerra Infinita (2018), em uma trama na qual a vingadora tenta impedir a concretização dos planos do General Dreykov (Ray Winstone), contando para isso com o auxílio de figuras importantes de seu passado, como Yelena (Florence Pugh), Alexei (David Harbour) e Melina (Rachel Weisz), a “família postiça” da sua infância em Ohio.
Assim como havia feito em Guardiões da Galáxia (2014), em que apresentava novos tons (inclusive nas cores) ao mesmo tempo em que os mantinha coesos ao todo do MCU, aqui o estúdio não teme em abraçar uma narrativa clássica de espionagem sem se afastar do arquétipo de “filme de super-heroína”. Uma relação que é consolidada em um breve instante em que Natasha assiste a 007 Contra o Foguete da Morte (1979), momento que se revela ainda mais brilhante ao dar uma pista relacionada ao terceiro ato, mais especificamente à localização da Sala Vermelha.
Também contribui para o êxito do projeto a competência de seu elenco. Com a protagonista liberada do peso extra de exercer a função de apoio a colegas como Steve Rogers ou Bruce Banner, Natasha fica com caminho livre para tomar as rédeas da própria história, e Johansson dá conta do recado humanizando a personagem em níveis que ainda não havíamos tido a oportunidade de testemunhar. Já Pugh aproveita a oportunidade para se mostrar uma atriz cada vez mais versátil após um 2019 excepcional (Lutando Pela Família, Midsommar: O Mal Não Espera a Noite, Adoráveis Mulheres), sendo responsável pela cena mais pesada dramaticamente, durante uma reunião à mesa. Ao passo que Harbour multiplica o carisma exibido em Stranger Things e exibe um timing cômico invejável, sem nunca permitir que Alexei se torne caricato, mesmo levando a composição ao limite. E por falar em comicidade, Weisz consegue extraí-la das frases e posturas mais serenas possíveis, o que só uma profissional com seu talento e experiência seria capaz de fazer. A vontade de voltar a acompanhar estes novos personagens – sensação que fica durante os créditos finais – resume bem a qualidade com que se apresentaram.
O fato de Viúva Negra contar com uma diretora (Cate Shortland), além de uma roteirista (Jac Schaeffer), inevitavelmente permite que o longa ganhe perspectivas que provavelmente não seriam as mesmas caso fosse um diretor, então podemos descartar a hipersexualização das heroínas (mérito também das figurinistas Jany Temime e Lisa Novaas) ou a inclusão de um interesse romântico que não acrescentaria absolutamente nada ao enredo. Da mesma forma, o roteiro é muito claro em sua mensagem ao tratar da situação das viúvas, desprovidas de livre-arbítrio e manipuladas de acordo com os interesses de uma poderosa figura masculina inescrupulosa. Por isso que é tão legítima a defesa por maior representatividade na indústria cinematográfica, uma vez que, além do necessário espaço que precisa ser dado, diferentes visões expandem as possibilidades criativas e engrandecem as nossas experiências.
Como se tornou habitual nas obras da Marvel, há uma grande – e admirável – preocupação com a continuidade, mantendo uma cronologia extremamente coesa dos eventos retratados, cuja atenção é voltada até a um simples colete que, visto em outra ocasião, deixa de ser mera peça de vestuário e passa a representar algo especial. É o tipo de ressignificação que enriquece as histórias ao nível dos detalhes e justifica a existência de um mundo expandido e compartilhado de produções.
Com tudo isso, Viúva Negra se revela disciplinado, ágil, espirituoso, coerente e equilibrado. Mas, talvez ‘necessário’ seja o adjetivo que lhe cabe melhor, por tudo que o longa oferece: ele preenche lacunas sem ser necessariamente uma história de origem, e adiciona novos elementos que passam longe de serem gratuitos. Mais uma vez, o estúdio certifica que vale a pena investirmos tempo e emoção em suas criações.
Historiador que acredita que a vida fica mais fácil quando vamos ao cinema.
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