Crítica | Red Rocket (2021)

Nota do Filme:

O cineasta Sean Baker vem construindo um dos currículos mais atraentes dos últimos anos. Após se destacar com Tangerina e Projeto Flórida, o norte-americano lançou, em 2021, Red Rocket, um filme que atesta sua enorme criatividade ao expandir suas ambições artísticas ao mesmo tempo que dota sua filmografia de coerência ao utilizar temas recorrentes, criando um universo consistente envolvendo aquilo que podemos chamar de lado B da América.

Repetindo a parceria dos longas citados, o diretor e Chris Bergoch assinam o roteiro, que acompanha Mikey (Simon Rex), um ator pornô que, após percalços em Los Angeles, retorna à cidade natal de Texas City para colocar a vida em ordem e traçar planos de retomar o sucesso, o que inclui reatar relações com a (ainda) esposa Lexi (Bree Elrod) e a sogra Lil (Brenda Deiss). Realizando bicos para a traficante Leondria (Judy Hill), fazendo amizade com o vizinho Lonnie (Ethan Darbone) e se interessando pela jovem – demais – Raylee (Suzanna Son), Mikey está prestes a viver uma aventura talvez maior do que qualquer experiência obtida em Hollywood.

Já costume nos trabalhos de Baker, o elenco conta com vários atores não profissionais ou semiamadores, o que é fundamental para acrescentar um tom naturalista às suas histórias. Assim, o realizador vai se estabelecendo como uma espécie de neorrealista do século XXI, de modo que, ao invés de retratar a Itália do pós-guerra, aborda os Estados Unidos após a crise de 2008, e em vez de locações que mostram os destroços causados pelo conflito, os cenários são subúrbios e paisagens rurais, geralmente devastados social e economicamente.

Tais cenários, aliás, exercem não apenas a função de situar a história, mas sobretudo de contribuir como parte da narrativa. Seja fazendo comentários, seja servindo de complemento a determinadas cenas, Texas City ajuda a desenvolver o enredo, o que leva a belíssimas imagens proporcionadas pela fotografia de Drew Daniels (Ao Cair da Noite). Da mesma forma, o som é usado eficientemente e amplia os aspectos cômicos e irônicos de Red Rocket. Nesse caso, é a campanha presidencial de 2016 que desempenha esse papel, possuindo inclusive um elegante arco próprio.

Como de praxe, além de dirigir, Baker também se encarrega da montagem do longa, demonstrando mais uma vez sua competência nessa área através de uma edição ágil e inteligente, empregando cortes que geram efeitos e situações hilárias.

Carismático e cheio de energia, Rex cumpre a difícil tarefa de evitar que Mikey se torne apenas uma figura detestável devido às atitudes reprováveis que toma, o que faria com que todo o projeto fosse por água abaixo. Em vez disso, humaniza seu personagem a ponto de pelo menos nos interessarmos por sua trajetória e ficarmos curiosos em saber qual destino o aguarda. Além disso, o ator estabelece uma ótima dinâmica com seus colegas de tela, que superam a falta de experiência com a maior tranquilidade do mundo.

A aproximação de Sean Baker com o neorrealismo, feita no início desse texto, se dá pelas associações que podem ser feitas a partir de suas escolhas estilísticas e narrativas; já no futuro, essa aproximação também poderá ser realizada quando considerarmos que, assim como as obras neorrealistas nos oferecem uma noção da realidade italiana a partir dos anos 1940, os filmes de Baker cada vez mais desnudam uma parte da América que tenta sobreviver após – mais – uma de suas tragédias.