Nota do filme:
Após vislumbrar um gigantesco retorno de popularidade e bilheteria, a indústria cinematográfica começou a enxergar o gênero de terror com bons olhos. Com o passar dos anos, suas franquias de sucesso foram cada vez mais continuadas, seus clássicos revisitados com o objetivo de atingir novas gerações e as suas dezenas de subgêneros exploradas à exaustão.
Porém, entre os anos de 2014 e 2015, três obras trouxeram um certo respiro ao gênero do horror e deram origem a um novo movimento intitulado de pós-horror. Os excelentes filmes It Follows (2014), The Babadook (2014) e The Witch (2015) são ótimos retratos dessa nova era de filmes: seu sucesso de crítica é sempre bastante considerável e a sua recepção para o grande público divide as opiniões – sempre pendendo para o lado mais negativo. Por estarem acostumados com jump scares, trilhas mais artificiais e apelativas, além de histórias genéricas, é comum que haja uma certa resistência de aceitação com o novo formato. E o mesmo ocorre com Possum, ótima obra lançada no ano passado.
Após retornar para a sua cidade natal, um ventríloquo malsucedido precisa voltar para a sua antiga casa de família nos subúrbios britânicos. Philip (Sean Harris), que nunca conseguiu emplacar seu personagem nos teatros infantis, anda de um lado para o outro acompanhado de uma mala que contém Possum, seu medonho boneco em formato de aranha que, ao mesmo tempo que conquista a curiosidade do público, também garante a sua antipatia e repulsa. De volta ao lar onde toda a sua vida começou, o homem se vê obrigado a dividir a mesa de jantar e algumas conversas peculiares e desconfortáveis com o seu padrasto Maurice (Alun Armstrong), responsável por ajudá-lo a reviver alguns fantasmas dos seus traumas do passado.
Dirigido pelo estreante em longas metragens Matthew Holness, o filme é uma experiência bastante peculiar. Logo nos primeiros minutos, notamos a criatividade e o obscurantismo do roteiro ao mostrar uma série de colagens surrealistas em tons verdes e marrons orquestradas por uma trilha estridente e desconfortável que servem de plano de fundo para a breve introdução do protagonista e para a leitura de um estranho poema que contará um pouco mais da história de Possum, seu “amigo” e “companheiro” de todas as horas.
Toda a força da obra está depositada nos ombros de Sean Harris, ator mais conhecido por seus papéis em Prometheus (2012), Macbeth (2015) e nos últimos filmes da franquia Missão Impossível (1996-2018). Aqui, o londrino encarna um personagem vulnerável, que anda com as mãos e baços rígidos, como se estivesse algemado a algo que não se vê, e que segura a onipresente mala como se fosse “escravo” de Possum, a ponto de que suas expressões faciais de medo pareçam realmente genuínas e realcem um escancarado pedido de socorro.
A estrutura da obra não se preocupa em facilitar as coisas para o espectador. Flashbacks são constantes, assim como uma série de imagens a princípio aleatórias e desconexas. É comum ver vultos, coisas sombrias, escuras e acontecimentos bizarros que constroem uma tensão que beira o insuportável. Se já não fosse o bastante, o enredo começa a dar pistas de uma história paralela que pode, ou não, estar conectada diretamente com Philip.
Por fim, seu terror psicológico e a dúvida sobre a realidade do que estamos vendo ajudam o filme a figurar entre um das coisas mais assustadoras já produzidas pelo cinema do gênero – claro, a aracnofobia provocada por aqui também pode ter contribuído bastante para a construção dessas sensações.
O sentimento descrito acima é proposital e pode ser um pouco explicado por um entrevista concedida por Holnesse ao portal Newsweek. “A questão que eu quis levantar com Possum era: Esse boneco é real? Vai se levantar? Está vivo? Eu estava tentando criar essa sensação e esse receio de que poderia se levantar a qualquer momento. Além disso tudo, achei importante ter no máximo um ou dois jump scares bem colocados no filme. Se passasse disso, eu acho que perderia o sentido”.
No geral, Possum é um filme bizarro e curioso, que chama a atenção pela história e por todo o seu visual. Porém, é de se lamentar um ritmo por vezes lento demais e um final deveras expositivo, que destoa do que vinha sendo adotado nos atos anteriores, e que pode ofuscar um pouco o raciocínio e a construção de uma narrativa na cabeça do espectador.