Crítica | O Babadook (The Babadook) [2014]

Nota do filme:

Em O Babadook a trama zela cuidadosamente por um núcleo de apenas dois personagens e um cenário bem pequeno e pouco variado de sua residência. Não existem grandes cenas externas, diálogos poderosos ou atuações dramáticas estonteantes. O que de fato rouba a cena no filme é simplesmente o mundano. A rotina de Amelia e Samuel é conturbada pela sociedade e quebradiça com a perda da figura paternal que os anos não consumaram. A ferida aberta está em cada plano, olhar e ação dos personagens. Talvez seja natural o estranhamento do espectador para o comportamento do filho nos primeiros minutos da narrativa, mas isso logo é substituído por uma compreensão dramática.

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O terror aqui é trabalhado com o drama sem seguir a fórmula pobre do mercado. A maior prova disso é que o quadro de convivência de mãe e filho muitas vezes assusta e choca mais do que a própria presença da criatura. A primeira metade do filme é quase inteiramente dedicada ao terror psicológico que rende a qualidade inquestionável da obra. Os trechos que mais capturam a atenção dispensam a trilha sonora bem básica para adotar um silêncio que não se compromete a assustar o público, mas incomodá-lo intensamente. A obra, delicada e bem estruturada como é, não se entrega aos sustos e desesperadas reações dos personagens. Tudo, ou nem tudo, é um retrato de suas mente tensionadas pelo drama.

Sabendo que o filme sairia da curva comum de roteiro logo pelo início, me comprometi ao preparo por um final profundo e impactante, o que não aconteceu, pelo menos não como eu achei que fosse. Ainda assim o final é reflexivo e extremamente filosófico se você resgata o passado, presente e com isso projeta o futuro dos personagens em decorrência dos eventos daquelas noites. Com a trama trabalhando o medo como simplesmente uma esfera orbitada por tantas outras emoções e sentidos, conviver com ele em conformidade parece uma alternativa melhor do que ceder a loucura de tentar vencê-lo.

Essie Davis faz aqui um papel incrível, mas Noah Wiseman ganha destaque não só pela idade, mas pela veracidade que dá ao seu papel. Você compra a ideia do menino diferente dos demais com pouco tempo de filme. Outro ponto significativo de mérito para a direção é com relação a arte do filme e os bons enquadramentos que, mesmo reaproveitados em outras circunstâncias e iluminações, não deixam de entregar qualidade.

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A diretora tenta abrir o filme com algum surrealismo, coisa que repete um tempo depois, mas que nada adiciona ao contexto. Fica um pouco evidente que a figura esquecida do pai não foi tão bem aproveitada quanto deveria e isso atrapalha um pouco o embalo do todo. Todas as cenas possuem um propósito dentro da progressão dos personagens, mesmo que algumas tenham tido um impacto mínimo para a sua aparente grandeza, como é o caso.

O filme é muito bom, vale totalmente a pena assistir. Você percebe que o roteiro foi feito com cuidado, bem revisado e não entrega furos grotescos como acontece com outras obras de alto custeio. É visualmente confortável e não chega perto de cair na morbidez que aparenta. Você acaba por se identificar bastante com as personas apresentadas ali. Não são super-humanos ou supervisionados por um roteiro que os preserva. Os personagens correm riscos e convencem. As sombras projetadas são intensas e verossímeis. A trama e a sua própria roupagem são, em sua conclusão, alegorias implacáveis dos fantasmas que o homem fabrica.