Crítica | A Bruxa (The VVitch: A New-England Folktale) [2015]

Há alguns anos o terror vem se modificando, tentando encontrar mais espaço através de obras mais subversivas. O susto barato, também conhecido como jump scare, já não tem mais tanto espaço para os diretores que desejam novos ares para o gênero. Em 2015, embalado por essa onda revolucionária, o então desconhecido cineasta Robert Eggers embarcou na missão de contar uma estória sobre bruxas, através de uma roupagem que rompesse com os contos clássicos, mas sem perder a essência dos mesmos. Para sorte dos produtores e do próprio Eggers, A Bruxa consegue atingir os objetivos propostos, criando um filme aterrorizante, recheado de simbologias e com duas interpretações diferentes.

Como plot do longa, temos uma típica família inglesa do século 17, recém-chegada ao estado da Nova Inglaterra, nos Estados Unidos. Após o pai da família (ator Ralph Ineson) cometer um crime desconhecido na vila onde moram, ele, a esposa e os filhos são banidos do local, sendo obrigados a encontrar um lugar na floresta para morar. Lá, estranhos acontecimentos começam a atormentá-los, levando-os a acreditar que trata-se de um castigo pelos seus pecados.

Para criar uma ambientação sombria, a fotografia opta por muitas cenas na penumbra, com apenas a luz de velas ou fogueiras clareando contornos, deixando a maior parte da tela totalmente na escuridão – a fim de reforçar a sensação de solidão e abandono da família, que está cercada por uma ameaça desconhecida. Em casos de cenas diurnas, o céu está sempre nublado ou coberto por longos pinheiros, dando um típico ar gótico (característica clássica da literatura sobre bruxas).

Outro ponto forte é a trilha sonora (composta por Mark Korven), sempre desconfortante, em sincronia com a sensação que os planos querem passar. Os sons geralmente são oriundos de graves de violinos ou de um coral fantasmagórico, que vão aumentando o volume gradativamente, deixando a tensão cada vez maior. Assim, o terror não se propaga apenas por meio de aparições e ruídos súbitos, mas também de longas exposições tanto visuais quanto sonoras.

A narrativa também usufrui de símbolos milenares que representam a personificação do mal (segundo o evangelho), como a maça de Eva e o bode preto. Há também signos específicos de rituais de bruxaria, como livros, galhos de vassouras, corvos e rãs. Nesse sentido, o filme derrapa levemente, pois os espectadores pouco entendidos do assunto podem não entender o significado por trás de algumas cenas (como a do corvo no seio da mãe).

O que faz a obra ser tão grandiosa, além de ter uma técnica consistente do início ao fim, é um truque ardiloso do roteiro, capaz de dar duas interpretações possíveis para os eventos. A primeira forma de entender o filme é destinada a quem viveu no século 17, que pode explicar a maldição da família através dos pecados cometidos por ela, o que justificaria absolutamente tudo que acontece da primeira à última cena, baseado em crenças da época. No decorrer da trama, descobrimos que todos ali cometeram algum tipo de “pecado” (inclusive o bebê). Já o segundo entendimento tem como alvo nós, que vivemos nos dias atuais. E de acordo com essa percepção pós-moderna, o longa fala sobre a sexualidade feminina e a liberdade da mulher (ideias reforçadas nas duas últimas cenas), assuntos que nunca foram pautas em séculos passados, uma vez que a grande protagonista é Thomasin, a filha mais velha (atriz Anya Taylor-Joy), que acaba sendo culpada, de maneira hipócrita, por todo o mal que atinge a família.

Nas atuações, o maior destaque fica para o ator Harvey Scrimshaw, que vive Caleb, o filho mais velho. Numa cena específica (um dos pontos mais altos do filme), o menino contorce o corpo desesperado e em seguida transmite a serenidade de quem está feliz e em paz, através de uma sequência de movimentos e falas marcantes.

Devido ao conjunto de acertos, ‘A Bruxa’ consegue entrar para a prateleira como um dos melhores títulos de terror da última década. Aterrorizando de uma maneira pouco convencional e inteligente, talvez não caia nas graças de quem gosta de mortes e sustos gratuitos, mas é inegável sua qualidade artística dentro dos limites dos enlatados hollywoodianos, afinal, é um gênero que precisa de inovação.