Crítica | Os Banshees de Inisherin (The Banshees of Inisherin) [2022]

Nota do filme:

Na última semana, a Academia de Artes e Ciências Cinematográficas fez o tão esperado anúncio dos filmes que vão concorrer aos prêmios Oscar deste ano, e Os Banshees de Inisherin, como já era esperado, figurou entre os títulos de maior destaque de 2022. Ao todo, o longa de Martin McDonagh conseguiu nove indicações, um feito semelhante ao seu último trabalho, Três Anúncios para um Crime (2017), que foi indicado sete vezes. Cinco anos depois, o diretor e roteirista volta seus olhos para um núcleo ainda menor de personagens que dão vida a uma história novamente muito polida, porém, desta vez, ainda mais original e intrigante, talvez o melhor filme de sua carreira até agora.

O título de Os Banshees de Inisherin não é dos mais atraentes para o espectador que, ocasionalmente, chega ao guichê do cinema para comprar um ingresso, mas, uma vez que ele lhe dá uma chance, a possibilidade de uma boa surpresa é enorme. Concentrada num microcosmos formado por alguns poucos personagens vivendo numa pequena ilha irlandesa, a trama dá conta de falar sobre as consequências de um impasse entre dois amigos de longa data quando um deles corta abruptamente seu relacionamento, o que resulta em consequências alarmantes para ambos.

Aqui, o que mais chama atenção é a forma como a situação entre os personagens vai escalonando até tomar proporções impossíveis de se prever no início. Com paciência e muita habilidade, McDonagh vai envolvendo o espectador numa trama aparentemente despretensiosa, e até boba, mas que vai se revelando uma história com ares de fábula absurdista, nos desafiando a analisar as atitudes de cada personagem e questionar quais seriam as nossas se estivéssemos no lugar deles. Em Os Banshees, tudo é pensado para que o espectador consiga imergir ao máximo no filme, desde a repetição do caminho entre as casas dos personagens e da bela trilha sonora de Carter Burwell até o hiperfoco no impasse que existe desde a primeira cena. É um roteiro coeso e cheio de criatividade que, aos poucos, vai expondo camadas mais profundas e cativando sem esforço.

Colin Farrell em cena do filme Os Banshees de Inisherin

Se a Guerra Civil que atinge a Irlanda na década de 20 pouco interfere no dia a dia dos habitantes da pacata Inisherin, é a guerra fria que toma forma entre Pádraic (Colin Farrell) e Colm (Brendan Gleeson) aquilo que, de fato, atinge a todos na ilha. No momento em que Colm explica para Pádraic que não vê mais benefício na amizade dos dois, um importante laço se rompe e a história começa a destacar os dilemas que envolvem a existência dos personagens da cidade. Fazendo uso de um humor ácido e peculiar, o roteiro de Os Banshees se inspira no Absurdismo, movimento filosófico desenvolvido pelo escritor Albert Camus, para mostrar como os ex-amigos se portam diante da brevidade da vida, da aproximação da morte e da falta de esperança na existência.

O excelente roteiro de McDonagh reflete sobre nossa incapacidade de nos comunicarmos verdadeiramente com o outro e transforma os diálogos, usados no cinema como motor para o desenvolvimento da narrativa, em ferramentas para fazer com que os personagens andem em círculos. Através da repetição de palavras e situações, o filme tece análises importantes sobre solidão, passagem do tempo, legado, tédio e mais um número expressivo de temas que, aparentemente, não cabem num filme “pequeno” como este. Mas Os Banshees engana. Com uma premissa simples e personagens supostamente pacíficos, o longa subverte qualquer expectativa para confrontar duas visões muito diferentes sobre a vida, mas que, no fim, compartilham do mesmo isolamento opressor e cada vez mais solitário.

A bela direção de McDonagh, aliada à extraordinária fotografia de Ben Davis, criam o cenário perfeito para o desenrolar da narrativa. Mesmo se voltando para um núcleo absolutamente restrito de personagens e ambientações, o diretor faz questão de contrastar uma história íntima com paisagens grandiosas e cenários pitorescos, que, ao invés de arejar os ânimos, tornam as coisas ainda mais sufocantes. A montagem só reforça o caráter repetitivo da rotina dos protagonistas, sempre cruzando com as mesmas pessoas, passando pelos mesmos caminhos. Os Banshees consegue transmitir o real sentimento de melancolia e tristeza que é morar num lugar como este, nesse momento específico da Irlanda, e ainda perder seu melhor amigo sem uma explicação que lhe parece boa o suficiente. Como seguir em frente sem antes lutar por essa amizade?

Colin Farrell e Barry Keoghan em cena do filme Os Banshees de Inisherin.

Devidamente reconhecido nas premiações da temporada, o desempenho do elenco de Os Banshees é um show à parte. Colin Farrell se destaca como o ingênuo Pádraic, numa atuação corajosa e muito vulnerável que representa o lado mais ingênuo da amizade e nos lembra sempre que é preciso ser gentil com as pessoas. O talentosíssimo Brendan Gleeson nos presenteia com um dos melhores desempenhos do ano e, como o arredio Colm, faz o espectador refletir sobre como escolhemos preencher nosso tempo e onde nossos relacionamentos se encaixam na nossa vida. Já Kerry Condon e Barry Keoghan são coadjuvantes fortes que ajudam a suscitar mais questionamentos enquanto vivem dramas pessoais importantes para o desenvolvimento da história.

De acordo com a mitologia celta, banshee é uma fada que vaga por montanhas e colinas prevendo a morte. Ela está, de fato, retratada no filme, mas é possível que o termo também faça referência aos próprios habitantes da ilha, sempre andando por precipícios (literais ou não), vivendo à espreita da vida alheia, causando mal uns aos outros. Esse comportamento subverte as narrativas de pequenas comunidades unidas, tão tradicionais no cinema. Mas Os Banshees de Inisherin, que estreia nos cinemas nesta quinta-feira (02/02), busca quebrar esses paradigmas usando um humor ácido para refletir sobre a existência humana numa história peculiar com ares de fábula. É simples, mas tão certeiro quanto as indicações que recebeu.