Crítica | Os 7 de Chicago (The Trial of The Chicago 7) [2020]

Nota do Filme:

O mundo inteiro está assistindo!

O que dois líderes estudantis, dois líderes dos Yippies, um líder pacifista, um químico, um autor e o líder nacional dos Panteras Negras têm em comum? Para a Procuradoria Geral dos EUA, os oito, juntos, encabeçaram uma conspiração que resultou em um dos embates mais sangrentos entre manifestantes e policiais já vistos na cidade de Chicago.

Durante a Convenção Nacional Democrata de 1968, aconteceram diversas manifestações simultâneas no parque em frente ao evento. Ainda que os manifestantes não estivessem todos alinhados na mesma ideologia, todos concordavam em um ponto: o Governo tinha que parar de mandar seus homens para a Guerra do Vietnã.

Com a morte de John F. Kennedy, seu vice, Johnson, decidiu não só pela permanência das tropas no Vietnã, como aumentou a quantidade de recrutados para a guerra, o que provocou protestos de diversos grupos, que acabaram se unindo em uma grande manifestação. Essas movimentações foram previamente informadas à Prefeitura de Chicago por cada grupo distinto, que as ignorou completamente e não preparou a cidade para as cerca de 15 mil pessoas que compareceram naquele dia.

Assim, com uma apresentação dinâmica e eficaz dos protagonistas, começamos a mergulhar no universo do julgamento, que se deu no Outono daquele mesmo ano. A Procuradoria Geral, representada por Richard Schultz (Joseph Gordon-Levitt), acusa os manifestantes de uma lei muito específica, chamada Lei Rap Brown, cujo tipo é a formação de quadrilha para incitar a violência em outro Estado.

Segundo o filme, o Procurador se opôs inicialmente a esta denúncia, mas acabou seguindo conforme as orientações de seus superiores. A referida lei que embasou todo o julgamento visava dificultar a liberdade de expressão e o exercício dos direitos civis dos cidadãos. Qualquer semelhança com a realidade vivida pelos norteamericanos na atualidade não é mera coincidência. O filme faz conexões muito bem-feitas com a realidade, principalmente a da população negra.

Algumas cenas remetem às manifestações decorrentes do fatídico episódio com George Floyd, o Black Lives Matter (Vidas negras importam), abordando os abusos cometidos contra negros, tanto naquela época quanto atualmente. Vemos em uma cena em que Abbie Hoffman (Sacha Baron Cohen) e Jerry Rubin (Jeremy Strong) estão entrando no Tribunal e que alguns manifestantes são contra Os 7 de Chicago, levantando cartazes com dizeres, no mínimo, questionáveis. Essa cena nos conecta imediatamente com algumas manifestações que observamos em 2020, como o All Lives Matter (Todas as vidas importam) e White Lives Matter (Vidas brancas importam), que, assim como as manifestações nos anos 60 mostradas no filme, também distorcem a pauta ali discutida.

Uma das cenas mais chocantes do filme, em que Bobby Seale (Yahya Abdul-Mateen II) é amarrado e amordaçado em sua cadeira durante o julgamento – com a autorização do juiz – aconteceu, na verdade, por dias a fio. No mesmo ano em que Martin Luther King Jr. é morto, o medo ainda pairava sob os militantes da causa negra, mas, ao mesmo tempo, a coragem de enfrentar esses abusos crescia, na medida em que a revolta tomava conta das multidões, que se uniam cada vez mais em torno de um mesmo propósito, o da igualdade entre as raças.

No julgamento conhecemos brevemente Freddie Hammington, um dos líderes dos Panteras Negras, que é assassinado no decorrer do julgamento. Para conhecer melhor a sua história e a dos Panteras Negras, vale conferir o longa Judas e o Messias Negro, que concorre juntamente com Os 7 de Chicago na categoria de melhor filme no Oscar deste ano. As duas obras conseguem contextualizar os dramas vividos pelos negros de uma forma tão real que fica difícil distinguir que ano está sendo representado, se é realmente há cinquenta anos ou se é um retrato da atualidade.

Inclusive, a questão racial está sendo retratada em diversos filmes indicados deste ano, dando palco para discussão também em Uma Noite em Miami…, em A Voz Suprema do Blues e em Judas e o Messias Negro. O que significa o Oscar dar, finalmente, amplo espaço para essa discussão? Seria um movimento permanente ou somente um reflexo passageiro das manifestações de 2020?

Voltando ao enredo, quando Bobby Seale finalmente consegue a sua exclusão do rol de acusados naquele julgamento (o que não significa que ele ficou livre de outros), o Tribunal seguiu, enfim, contra os sete acusados: Abbie HoffmanJerry RubinDavid DellingerTom HaydenRennie Davis, John Froines e Lee Weiner, que permaneceram por um longo período tentando, inutilmente, provar seus argumentos perante a Corte.

As atuações foram bem divididas em relação ao tempo de tela, conferindo espaço para todos darem o seu recado. A atuação de Sacha Baron Cohen foi um dos alívios cômicos necessários para a trama, que, por muitas vezes, se torna pesada demais devido à falta de imparcialidade do juiz e às manobras inescrupulosas da Procuradoria contra os jurados que manifestavam qualquer empatia em relação aos acusados. Vemos aqui um juiz corrupto e, de certa forma, até caricato, interpretado por Frank Langella, que no decorrer do julgamento dribla e manipula a lei, sempre a favor da acusação.

Outra atuação que merece destaque é a breve participação de Michael Keaton com o ex-Procurador Geral, Ramsey Clark, que frisa sua discordância com as acusações ali feitas. A testemunha comparece e pauta sua participação para lembrar o óbvio: o Presidente não é cliente do Procurador Geral. Vale ressaltar que qualquer link com a realidade vivida pelos EUA nos últimos quatro anos não é devaneio do telespectador, já que o diretor e roteirista sabe muito bem abordar temas políticos (e polêmicos!).  

Sobre as categorias do Oscar, o longa foi indicado para premiação em melhor montagem, onde Alan Baumgarten se mostrou dinâmico e eficiente para contextualizar as ideias dos manifestantes que pertencem a núcleos distintos e possuem ideais muito diferentes, mas se encontram unidos em um objetivo comum, que é o fim da Guerra contra o Vietnã. Alan já foi indicado ao Oscar por Trapaça, em 2014, que é outro exemplo de montagem cinematográfica dinâmica e ágil.

Indicado a melhor roteiro original, Aaron Sorkin, que já escreveu dramas políticos, como Meu Querido Presidente e Jogos de Poder, também tem sua bagagem nos dramas de Tribunal, com o seu famoso Questão de honra. Em Os 7 de Chicago, ele consegue unir suas duas experiências e condensá-las em um filme dinâmico e envolvente, que trata tanto o drama dos anos 60 como questões atuais.

Nesta adaptação para os cinemas, Sorkin, diretor e roteirista, traz o drama dos tribunais de um jeito só dele, com diálogos rápidos e um pouco idealizados demais para o meu gosto. Mas, ainda que o diretor use da sua licença poética para modificar alguns fatos retratados no filme, não há como negar que a obra é uma verdadeira aula de história e excelente crítica política, e vale a pena ser conferida.