Nota do Filme:
O conto de Amleth inspirou William Shakespeare a escrever Hamlet e serviu de base ao novo filme de Robert Eggers (A Bruxa, O Farol), O Homem do Norte. Trata-se de uma antiga lenda nórdica de vingança que também deu origem ao longa Jutland: Reinado de Ódio (Prince of Jutland, de Gabriel Axel), em 1994, estrelado por Christin Bale, Brian Cox e Helen Mirren. A história segue o jovem príncipe Amleth (Alexander Skarsgård), que presencia seu tio Fjölnir (Claes Bang) matar seu pai, o Rei Aurvandil (Ethan Hawke).
Depois de testemunhar o assassinato de seu pai, Amleth, ainda criança, foge, mas sem deixar de jurar, como uma espécie de mantra interior, vingar seu pai, salvar sua mãe, a Rainha Gudrún (Nicole Kidman) e matar seu tio. Os anos se passam e ele volta adulto, integrando um grupo de vikings violentos, que saqueiam aldeias e matam por diversão. Com classificação indicativa de 18 anos, a violência impera nas cenas de luta e sem pudor, espadas adentram com crueza a carne humana.
Não há como pensar em Hamlet, ou melhor, no próprio Shakespeare, sem lembrar da insigne frase “ser ou não ser, eis a questão”. Alheio à violência a seu redor e sendo um dos causadores do caos, Amleth precisa encontrar seu propósito e decidir o homem que quer ser. O personagem lida com a barbárie como costume, mas sabe que está predestinado a retomar o seu lugar e que a vingança é o seu destino. Ser ou não ser, seguir ou não o seu caminho é o que o filho do rei morto deve refletir e escolher para continuar sua trajetória.
O lado sobrenatural e fantasioso da película é evidente e marcado por culturas antigas e rituais sórdidos. No entanto, tudo se mistura e provoca a imaginação, revelando um mundo coeso, onde tudo faz sentido, com riqueza de ideias e criatividade impecáveis. É notável o esmero e o cuidado da produção com pesquisas e estudos no processo de elaboração do roteiro, conectando o campo espiritual com o cotidiano de maneira firme e plausível.
Enquanto em Jutland: Reinado de Ódio, o príncipe Almed (Christian Bale) finge estar louco para concretizar sua vingança contra o tio Fenge (Gabriel Byrne), Amleth foge e se fortalece, transformando-se em um guerreiro viking, em O Homem do Norte. Aquele traz o conto do príncipe de forma mais amena e este tonifica a história com magia e violência que, a despeito da discrepância, combinam na realidade da narrativa criada e, com uma certa didática, facilitam a imersão do espectador.
Anya Taylor-Joy une-se ao elenco no papel de Olga da Floresta de Bétula, escrava junto de Amleth, que acaba por prometer mais do que cumpre. Sua personagem é enigmática e destemida, mas não se desenvolve e mostra-se praticamente descartável. Ela termina não contribuindo muito para o desenrolar da trama, quase não passando de mero interesse romântico do protagonista e seu arco acaba ficando sem desfecho.
Além de Anya, Alexander Skarsgård e Nicole Kidman, o filme conta com Ethan Hawke, Willem Dafoe e Björk, esta em um entusiasmado papel de feiticeira, a Seerees. Os personagens são bem apresentados e os sotaques e as línguas diferentes são acentuados e pronunciadas na medida certa a interagir com o restante do enredo.
Com uma fotografia interessante, que aproveita para ressaltar elementos importantes da cena e uma trilha sombria que ambienta o espectador à realidade repleta de cultura e magia, a obra é rica e consegue facilmente transportar o público ao universo criado. Separado em capítulos, o longa explora cada um, acrescentando substâncias à narrativa e deixando-a fluida, mesmo com suas mais de duas horas de duração.
O filme aborda o conto de Amleth, abraça o mundo violento dos vikings e abarca crenças, dentro da acentuada mitologia nórdica em seu enredo, sem deixar de lado a assinatura de Robert Eggers na direção. O resultado é uma primorosa obra, com identidade, que deve despertar o interesse de conhecer mais sobre os assuntos abordados e a mitologia utilizada.
É certo que o momento em que o rei quer consagrar o filho para ele ter o mérito de vir a ser seu sucessor no reino, conta com um ritual um tanto repulsivo e talvez aqui seja o instante divisório para o público. O espectador que naturalizar o episódio e aceitar que a ideia faz parte da fábula criada, passada a estranheza inicial, tem tudo para digerir o restante com facilidade e embarcar na trama, envolvendo-se com o universo nórdico e lúgubre de Robert Eggers.
O Homem do Norte estreia em 12 de maio de 2022 nos cinemas.
Direção: Robert Eggers | Roteiro: Robert Eggers, Sjón | Ano: 2022 | Duração: 137 minutos | Elenco: Alexander Skarsgård, Nicole Kidman, Claes Bang, Ethan Hawke, Anya Taylor-Joy, Björk, Gustav Lindh, Elliott Rose, Willem Dafoe, Phill Martin, Eldar Skar.
Apaixonada por filmes e séries, queria transformar o mundo em um lugar melhor, deitada na minha cama, ligada na TV.
“Sou só uma garota ferrada procurando pela minha paz de espírito.” Kruczynski, Clementine (Brilho Eterno de uma Mente Sem Lembranças).