Crítica | Incêndios (Incendies) [2010]

Nota do Filme :

Onde começa a sua história?

Já pensou em como era a vida dos seus pais antes de você nascer? Teve curiosidade sobre as suas origens? Neste drama, indicado como melhor filme estrangeiro no Oscar de 2011 e que trouxe o diretor Denis Villeneuve para o radar de Hollywood, somos apresentados à família Nawan, que tem muito a conhecer sobre sua própria história. Ainda anestesiados com a morte da mãe, Nawal (Lubna Azabal), os gêmeos, Jeanne (Mélissa Désiermeaux-Poulin) e Simon (Maxim Gaudette), vão até o cartório onde ela trabalhava para a leitura do seu testamento, que é realizado pelo seu ex-chefe, Lebel (Rémy Girard).

Logo que a leitura do testamento acaba, percebemos que aquela mãe escondeu muitos segredos ao longo da vida. Com a missão de entregar uma carta a seu pai, Jeanne segue em direção à terra natal da mãe para buscar as respostas para todas as perguntas que borbulhavam em sua cabeça. Seu irmão, Simon, que também deveria ir com ela para procurar o irmão perdido, Nihad, ignora completamente os desejos póstumos da mãe e deixa a irmã seguir viagem sozinha.

Em paralelo à busca de Jeanne, acompanhamos também a jornada da versão mais nova de sua mãe, Nawal, que ainda muito jovem sofreu na pele as consequências da guerra entre religiões; seus irmãos, cuja intolerância religiosa imperava, mataram o seu namorado a sangue frio na sua frente, deixando-a grávida de poucos meses e sozinha para criar o filho. A gravidez logo foi descoberta pelos familiares, que a julgaram como indigna. A criança acabou sendo enviada para a adoção ainda recém-nascida, e Nawal mudou-se para a capital para poder estudar e ter uma vida melhor.

Já na capital, morando de favor com familiares, a jovem Nawal teve a oportunidade de estudar e se afiliar a correntes ideológicas de oposição ao governo, o que acabou por torna-la um alvo fácil. Ao ser capturada, ficou décadas presa em uma cela minúscula e ficou conhecida como “a mulher que canta”, pois, por óbvio, passava horas cantando em sua cela, durante todos os anos em que esteve encarcerada. Dentro deste ambiente hostil, sofreu todos os tipos de tortura possíveis e imagináveis, principalmente do general do mais alto escalão, o que explica o seu estado de catatonia diante da vida.

Enquanto isso, em suas buscas, Jeanne foi conhecendo cada pedacinho daquela terra tão arrasada e pobre, até os dias de hoje, onde a mãe lutou por muitos e muitos anos para se manter viva. Quanto mais ela conhecia sua história, mais perguntas apareciam e cada vez menos respostas ela recebia. Assim, em dado momento, ela telefona para seu irmão e para o ex-chefe da mãe em busca de ajuda, e é a partir deste momento que as peças começam, finalmente, a se encaixar.

Fica evidente que Simon guarda um rancor muito grande da mãe por nunca ter conseguido firmar laços sólidos com ela. Por ele, nem sequer teriam ido em busca destas respostas, que, para ele, vinham tarde demais. Com a ajuda de Lebel e de pessoas influentes na terra natal da mãe, ambos conseguem encontrar Jeanne e começam a entender um pouco mais dos porquês da mãe ter sido tão fria e distante a sua vida inteira.

O longa traz questões caras a qualquer pessoa comum: dramas familiares, conflitos religiosos e políticos, dificuldade de comunicação com pessoas de outras culturas, mudanças bruscas de ambiente e também a dificuldade de lidar com os próprios conflitos. É claro que, mesmo com questões comuns a qualquer um, este filme não tem absolutamente nada de comum. Tudo isso faz de Incêndios um drama completo, que, inclusive, começa com uma das cenas mais impactantes de abertura já feitas, com trilha sonora por You and Whose Army?, do Radiohead. Qualquer coisa a mais que eu disser aqui será spoiler, e este filme merece ser assistido sem qualquer informação a mais, então paro por aqui.

Incêndios é, definitivamente, um filme que te tira o chão. Com um toque documental em algumas cenas, Villeneuve entrega uma trama não-linear que desestabiliza o espectador por completo, trazendo uma experiência única e desconcertante que, com certeza, você jamais esquecerá. Este foi um dos trabalhos mais memoráveis do diretor, que, infelizmente, não é tão conhecido quanto suas produções hollywoodianas, como A Chegada e Os Suspeitos, ambas excelentes, mas com um formato e apresentação completamente diferentes.