Crítica | Os Suspeitos (Prisoners) [2013]

Nota do filme:

A fé tem muita influência em uma pessoa – e a falta dela também. Nesse suspense de Denis Villeneuve vemos pessoas com fé que fazem coisas terríveis e pessoas sem fé alguma que buscam a verdade com justiça. O que isso quer dizer? Bem, fica claro nesta trama que o fato de uma pessoa ter fé em Deus (ou qualquer outra força maior que a mova) não garante que as suas escolhas serão morais, corretas ou sequer boas para o próximo, e o contrário também é válido.

Logo no começo da história conhecemos os Dover, a caminho da casa da família Birch para um jantar de ação de graças em conjunto. Enquanto cada membro se juntava com seu par da outra família, as duas mais novas, Anna (Erin Gerasimovich) e Joy (Kyla-Drew), decidem voltar à casa dos Dover para buscar o apito de Anna, e as duas, então, desaparecem misteriosamente.

O pai de Anna, Keller (Hugh Jackman), é um homem obsessivo por controle. Ele é o tipo de pessoa que estoca mantimentos e equipamentos de primeiros socorros em seu porão, para, caso aconteça alguma catástrofe, ele esteja sempre preparado. É assim que ele cria os filhos: dizendo para estarem sempre preparados para qualquer adversidade.

Então, quando a aleatoriedade atua em sua vida, Keller perde completamente o eixo e passa a procurar a sua filha de forma obsessiva e irrefreável, passando por cima inclusive da polícia. A frustração por não ter previsto o que aconteceu toca em seu ponto mais fraco. No começo do filme, ele até diz a seguinte frase: “rezo para que aconteça o melhor e me preparo para o pior”, mas sabemos que nada no mundo o teria preparado para isso.

O investigador designado para o caso é o detetive Loki, vivido por Jake Gyllenhaal, um homem solitário e obcecado pelo seu trabalho – tão obcecado que solucionou 100% dos casos que atuou desde que começou na carreira como investigador de polícia. Uma característica marcante do detetive é a sua falta de fé, demonstrada sutilmente já em sua primeira cena, quando ele pede para a garçonete um biscoito da sorte.

Inclusive, a origem do nome Loki é de um Deus nórdico estrategista, que tem dificuldades nas relações com os outros deuses. Qualquer semelhança com o personagem não é mera coincidência. Loki tem um tique nervoso no olho muito marcante, que é acentuado quando ele se vê encurralado e sem saber para qual lado deve direcionar suas investigações.

A relação entre Loki e Keller é sempre conturbada, pois ambos são obsessivos e tentavam, cada um à sua maneira, conseguir respostas o quanto antes. Em que pese ambos terem um traço da personalidade parecida – a obsessão –, um acaba se mostrando ser o completo oposto do outro, já que um deles é impulsivo e o outro é extremamente centrado e calculista. As decisões tomadas por um acabaram por influenciar significativamente na jornada do outro, e, consequentemente, no desfecho da história. O curso que a investigação tomou foi graças à teimosia de ambos, e foi assim que conhecemos nossos suspeitos.

O primeiro deles é Alex (Paul Dano), um adulto estranho que mora parte do tempo em seu trailer e a outra parte na casa de sua tia Holly (Melissa Leo). Ele se mostra apático e fora de órbita a maior parte do tempo na frente dos investigadores, mas, quando não está sendo observado, o personagem tem comportamentos dúbios: ao mesmo tempo que parece indefeso, ele também dá sinais de culpa. O jovem demonstra ter mais informações sobre o caso do que deveria, com coisas que ele não teria como saber se não tivesse conhecido pessoalmente as meninas.

A tia de Alex, Holly, sempre defende o jovem, afirmando que sua idade mental é de uma criança de 10 anos e que ele jamais seria capaz de fazer mal sequer a uma mosca. A tia é uma pessoa pela qual Keller nutre certa curiosidade, e por isso ele a visita em diversos momentos da trama. Em uma de suas conversas, Keller descobre que ela perdeu a fé há muitos anos quando seu filho faleceu devido a um câncer ainda quando criança. A dor da perda a transformou de tal modo que ela e o marido, que antes eram fiéis e missionários pela fé, passaram a nutrir hábitos nada saudáveis, na tentativa, sob seus próprios olhos, de trazer justiça ao mundo.

O segundo suspeito aparece em uma noite de vigília. Enquanto todos estavam imersos em sua dor, Bob Taylor apenas observava, sem expressar qualquer compaixão pelas famílias, atitude estranha o suficiente para captar a atenção de Loki. Assim, ele começa a caçada pelo suspeito, que é visto em outro momento em uma loja de departamentos comprando roupas infantis. A atitude suspeita chama a atenção dos lojistas, que ligam para a polícia imediatamente. Logo após perde-lo de vista, Loki chega a perder por um breve momento toda a sua centralidade ao se ver encurralado, sem conseguir saber quem de fato é o sequestrador, e o que pode fazer para solucionar o caso. O tempo corre contra ele e o labirinto parece realmente não ter saída.

Assim como Loki perde o eixo, cada um dos personagens lida com a incerteza de uma forma diferente: a mãe de Anna, Grace (Maria Bello), entra em uma espiral de desespero paralisante, que a leva a uma depressão profunda; Keller fica obcecado por Alex e faz de tudo para que ele confesse o crime; Franklyn (Terrence Howard) e Nancy (Viola Davis), pais de Joy, entram na paranoia de Keller e o ajudam na busca por uma confissão a qualquer custo, o que acaba por trazer um lado sombrio à tona de suas personalidades que eles até então desconheciam.

É importante ressaltar a força que a aleatoriedade tem nesta história: não há como prevermos quais as consequências de uma ação, muito menos saber até onde uma pessoa ferida pode ir para tentar curar suas dores – na verdade, nem ela tem como saber, até que passe, enfim, pela situação. Para se curar, alguém pode tentar culpar uma pessoa específica pela sua desgraça, e esperar que ela sinta a mesma dor que lhe foi infligida; ou, então, a saída pode ser fazer justiça com as próprias mãos, de modo a garantir que a pessoa sinta, na mesma medida, a dor que lhe foi causada – vemos um pouco de cada uma das possíveis reações neste filme.

Toda essa aleatoriedade é representada pelo labirinto, tanto figurativamente quanto literalmente, aparecendo em diversos momentos diferentes da trama. É evidente que há uma busca pelo centro, onde supostamente estão todas as respostas para todas as perguntas. O problema é que o labirinto pode ter muitos caminhos distintos, mas só um deles é o certo, e a imprevisibilidade disso é o que atormenta aqueles que buscam uma resposta concreta e rápida. Há uma corrida desenfreada por respostas, e os personagens acabam, com frequência, em becos sem saída, o que não é só desesperador para eles, como também para nós, que passamos a maior parte do tempo sem fazer ideia de quem está certo e quem está errado.

É incrível pensar na sucessão de coisas ruins que aconteceram nesta história, e como a fé – e a falta dela – influenciam diretamente em tudo o que aconteceu. Essa quebra de expectativa desenrolou uma cadeia de acontecimentos que fogem a qualquer planejamento, e isso deixou todos os envolvidos completamente atordoados. Os Suspeitos é um filme difícil de ser assistido, muito explícito e complexo, mas vale a pena cada segundo. Uma das poucas críticas que tenho a fazer não é nem sobre a trama, e sim sobre a tradução para o português: por que “Os Suspeitos” e não simplesmente “Prisioneiros”? Para mim, não fez sentido algum.

O diretor Denis Villeneuve teve em Os Suspeitos um de seus primeiros trabalhos em Hollywood, onde aproveitou a oportunidade para mostrar toda a sua competência em um longa de extrema qualidade, conquistando, de forma definitiva, seu espaço na indústria norteamericana. Contando com um elenco de peso e uma equipe muito competente, o filme se consolida como um dos melhores suspenses da década.