Crítica | Green Book – O Guia (Green Book) [2018]

Nota do Filme:

Green Book – O Guia se passa em 1962 e acompanha Tony “Tony Lip” Vallelonga (Viggo Mortensen), ítalo-americano casado com Dolores (Linda Cardellini) que trabalha como segurança em um clube noturno em sua cidade. Devido à reformas no local, aceitou ser motorista de Dr. Don Shirley (Mahershala Ali), famoso pianista que irá fazer uma turnê no sul dos Estados Unidos.

Em sua jornada, precisam usar um guia para viagem segura para negros, conhecido como Green Book, uma vez que o país passava por um período de forte segregação racial. No decorrer de suas oito semanas de viagem, os conflitos entre as personalidade de ambos se suaviza a medida que descobrem como conviver em harmonia. Surge, assim, uma amizade que duraria até o resto de suas vidas.

Trata-se de um clássico road trip movie que guarda evidentes semelhanças a Conduzindo Miss Daisy, vencedor do Oscar de Melhor Filme de 1990, no qual uma senhora é conduzida por um chauffeur afro-americano. Em Green Book – O Guia, contudo, a premissa é invertida, o que permite alterações na dinâmica interpessoal, vez que altera a dinâmica de poder envolvida.

Nesse sentido, o embate inicial entre os personagens principais é claro, a começar pela mentalidade racista de Tony. Há, assim, uma resistência inicial em aceitar o cargo, uma vez que significaria estar em uma posição subordinada a um homem negro. Ao mesmo tempo, Dr. Don Shirley tem dificuldades em lidar com os maneirismos simplistas de seu motorista, que, de forma recorrente, falha em manter a etiqueta e dignidade necessária em momentos de tensão.

Contudo, por mais que o longa seja bem sucedido no relacionamento entre seus dois atores principais, há que se reconhecer a problemática no que diz respeito à abordagem da temática racial. Isto porque a narrativa jamais ingressa em questões mais sensíveis, ao contrário, parece temê-las, de modo que se mantém em um terreno incrivelmente superficial. Por mais que o objetivo do filme não seja uma reflexão profunda, como se tem, por exemplo, em Corra!, poderia haver mais esforço nesse segmento. A título exemplificativo, atualmente disputa protagonismo em premiações internacionais com Pantera Negra e Infiltrados na Klan, histórias que também abordam o tema, contudo, de maneira mais madura, respeitando a sua importância.

Essa ausência de foco prejudica a obra como um todo, uma vez que se vende como algo reflexivo. Assim, há uma incongruência entre aquilo que o filme se propõe a fazer e aquilo que, efetivamente, entrega ao espectador. Dessa forma, por mais que conte, de fato, com momentos cômicos e, ainda, dramáticos, jamais encontra uma direção na qual fique confortável, motivo pelo qual não se destaca da maneira que, claramente, queria. Ademais, a sua incrível previsibilidade torna a jornada um tanto quanto monótona.

Felizmente, contudo, há excelentes performances na história, sobretudo da dupla principal, o que ajuda a dirimir os problemas do roteiro. Mahershala Ali que, em 2017, ganhou o Oscar de Melhor Ator Coadjuvante por Moonlight, já arrematou, em 2019, o mesmo prêmio entregue pelo Globo de Ouro e o Critics’ Choice Awards. A tendência é que seja continuamente premiado. Sua interpretação, que transmite à audiência o necessário de modo sempre contido, impressiona. Tal é a qualidade que “rouba” o protagonismo de Viggo Mortensen que, por mais que esteja muito bem, acaba um pouco ofuscado.

Dessa forma, tem-se que Green Book – O Guia entrega um script problemático, que diverge, e muito àquilo que se propõe. A ausência de coragem para abordar temáticas complexas aleija o longa, que somente não cai no ostracismo devido à ótima química e interpretação dos atores principais. Em um ano com obras marcantes que tratam do tema, a esta falta objetividade e, mais importante, ousadia.