Crítica | Frankie [2020]

Nota do filme:

Todo bom filme tem uma cena que o resume em sua essência. No caso de ‘Frankie’, do americano Ira Sachs, esta cena é a que mostra uma belíssima praia de Sintra, em Portugal, ao som de “Arabesque Nº 1”, de Claude Debussy. Ela é eficiente ao fazer com que o espectador sinta as duas sensações que o acompanharão durante toda a película: encantamento pela beleza e uma leve, porém amarga, melancolia. 

‘Frankie’ acompanha Françoise Cremont, uma famosa atriz francesa que está com os dias contados. Para se despedir, ela convoca sua família a uma viagem pelas colinas da Serra de Sintra, região litorânea de Portugal. Como toda grande atriz, Françoise é embalada por momentos de vaidade e insegurança, doçura e rispidez. Vez ou outra, ela chega a lembrar as protagonistas de ‘A Malvada’ e ‘Crepúsculo dos Sonhos’, mas de maneira bem mais discreta. 

Isabelle Huppert compreendeu profundamente o papel da protagonista e o interpretou com maestria. A atriz está tão correta no tom da atuação que faz parecer que o roteiro foi escrito exclusivamente para ela — e talvez tenha sido. Afinal, Ira já havia revelado seu desejo de trabalhar com uma das maiores atrizes europeias de todos os tempos. O resultado é brilhante: Huppert domina a narrativa inclusive quando não está em cena, agindo como parâmetro para a performance de todos os outros membros da família. 

Família, inclusive, que se revela em profunda crise. Cada personagem está no limite de seus problemas, planejando deixar coisas para trás e começar um futuro drasticamente diferente após o término da viagem. Desse modo, Sintra é um local de transição para todos eles: a cidade funciona como uma parada entre o antes e o depois, uma última oportunidade para se despedirem não apenas de Françoise, mas de suas próprias versões do passado. 

No elenco de apoio, destaque para Vinette Robinson, que interpreta a enteada de Frankie. Sua atuação, assim como a de Huppert, extrapola as falas e acontece nos olhares, nos gestos. Também está ótimo Brendan Gleeson, no papel do marido que sabe, mas ainda não aceita que perderá sua esposa. 

A cinematografia é um presente para os olhos. Mesmo para quem não gosta de filmes “parados”, ‘Frankie’ já valeria a pena por suas imagens encantadoras e seus cenários paradisíacos. Logo na primeira cena, o contraste entre o azul de uma piscina e o vermelho berrante do biquíni de Françoise já dá uma aula de fotografia, como se avisasse ao espectador que ele deve se atentar para além do enredo. Quem deixa os detalhes dos cenários passarem despercebidos perde, digamos, 30% da experiência de ver este filme. 

Ira Sachs dispensa qualquer obviedade em seu trabalho. Nada em ‘Frankie’ é escancarado. É preciso prestar atenção, sentir o que os personagens estão pensando, para então entendê-los em suas motivações. A história não se carrega sozinha, mas com o apoio de uma trilha em piano acertadamente triste e de uma paisagem de tirar o fôlego. Com todos esses artifícios, o longa é capaz de fazer chorar sem apelar para frases melodramáticas.

A sensibilidade do roteiro culmina na cena final, uma despedida silenciosa em cores quentes. É possível sentir o amor incerto que une os membros daquela família, que, mergulhada em problemas, não parece que irá resistir à morte de sua matriarca. Entretanto, naquele momento, naquela cidade, estão todos juntos, e é isso o que importa. Em certo momento do filme, Françoise cita Paul Valéry ao dizer “trouve avant de chercher”. Encontre antes de procurar. Não adiantou buscar a paz numa praia distante — os personagens mal se lembram de que estão em Portugal. Entretanto, o que ela precisava, ela já havia encontrado mesmo antes da viagem.

Estreia hoje. Direção: Ira Sachs . Gênero: Drama. Duração: 100 min. Classificação: 12 anos. Elenco: Isabelle Huppert, Brendan Gleeson, Jérémie Renier, Marisa Tomei, Greg Kinnear.