Crítica | Depois a Louca Sou Eu (2019)

Nota do filme:

Para a maioria das pessoas, jantar com os amigos, viajar para a praia ou pegar um transporte público são atividades que demandam pouco ou quase nenhum esforço. Porém, para quem sofre de ansiedade e síndrome do pânico, fazer qualquer uma dessas coisas pode ser uma luta descomunal entre a vontade e o medo, quando só a perspectiva de que algo possa dar errado já é suficiente para paralisar totalmente. Mas, pior do que as múltiplas tentativas de viver sem todas essas paranoias, talvez só a frustração de tentar explicar para o mundo que não “é só relaxar que passa” nem que “é fácil ter autocontrole”. O buraco dos transtornos mentais é bem mais embaixo.

É por isso que Depois a Louca Sou Eu faz o público enxergar situações simples através do olhar de uma pessoa que sofre diariamente com crises de ansiedade: para buscar nele empatia para uma doença que não tem nada de frescura. Ainda que, em certos momentos, o exagero consiga produzir situações cômicas e bem divertidas de assistir, ele também deixa claro como essa condição pode ser angustiante, limitante e até incapacitante. Na vida real, não existe nada de engraçado em deixar de fazer algo por conta de ansiedade e é importante que a gente entenda e saiba acolher pessoas como Dani, a protagonista do filme.

Baseado no romance autobiográfico e homônimo de Tati Bernardi, Depois a Louca Sou Eu conta a história de uma mulher tentando lidar com a falta de autonomia que sua doença lhe causa. Desde criança, Dani (Débora Falabella) sofre com sintomas cada vez mais intensos de uma ansiedade que a paralisa ao ponto de impedi-la de ser “uma adulta séria”. Ao mesmo tempo em que tenta encarar seus problemas de frente, sua mãe (Yara de Novaes), de quem não consegue se desapegar, oscila entre a vontade de ver a filha feliz e o medo de que ela sofra ainda mais, construindo entre as duas uma relação um tanto negativa.

Transitando entre momentos engraçados e outros bem dramáticos, Depois a Louca Sou Eu nos coloca dentro da cabeça de Dani justamente para entendermos sua angústia na hora de fazer coisas aparentemente simples. Ela inventa que esqueceu o passaporte para deixar de viajar na despedida de solteiro da amiga, entra em pânico só de pensar em ir à sua própria festa de aniversário, não consegue aproveitar a viagem de Réveillon porque está longe de casa, entre outras situações. O tanto que é angustiante para ela, é angustiante também para nós, que sofremos só de imaginar como é conviver com esse sentimento todos os dias, então é bom avisar que o filme pode ser gatilho para muitas pessoas.

Para acompanhar os sentimentos conflitantes da personagem e impactar o espectador, Depois a Louca Sou Eu utiliza alguns recursos visuais interessantes que o tiram do lugar comum. A direção de Júlia Rezende é muito coerente na hora de unir todos eles para contar a história de uma mulher que convive o tempo todo com a intensidade, sentindo demais, amando demais, chorando demais, se preocupando demais. A diretora faz uso de closes com lentes angulares para deformar o rosto dos atores e planos diagonais acima da linha dos olhos para reproduzir a inquietação e o desequilíbrio em que vive a personagem.

Numa clara inspiração em O Fabuloso Destino de Amélie Poulain (2001), a fotografia e o design de produção abusam de cores contrastantes e saturadas (principalmente o vermelho e o verde) em cenários, luzes e objetos de cena para enfatizar os contrastes da própria Dani, cujo humor oscila muito rápido. O clássico de Darren Aronofsky, Réquim Para um Sonho (2000), também serve de referência. A montagem hip hop, aquela que mostra imagens ou ações em velocidade aumentada, acompanhada de efeitos sonoros, tentando simular alguma ação, aparece aqui no momento em que é preciso ilustrar o efeito nocivo do vício em ansiolíticos e, por mais óbvia que seja, a inspiração funciona.

A atuação de Débora Falabella é grande responsável pela empatia que o espectador adquire pela personagem. A carga de humanidade que a atriz consegue imprimir em Dani é fundamental para que o longa dê certo e opere para alcançar seu objetivo de nos tocar de alguma forma. O que atrapalha um pouco esse caminho é o roteiro, talvez o elo mais fraco (ainda que muito bom) na hora de nos fazer engajar na história, ironicamente porque se prejudica quando precisa transitar entre gêneros. O início do filme tem tantas situações cômicas que se torna muito brusca sua transição para os momentos mais dramáticos fazendo com que o público fique em dúvida sobre qual filme estava assistindo.

Por outro lado, talvez seja essa confusão a real essência de um filme cuja protagonista sofre por não ter controle da própria vida, que enfrenta batalhas diárias só de pensar em sair da zona de conforto. Sua jornada rumo a uma nova realidade é dura e complicada, não tem receita de bolo que a ensine a chegar a uma solução fácil e indolor. Mas Depois a Louca Sou Eu, disponível no Prime Video, acerta em não romantizar nenhuma das partes dessa jornada e se faz importante em nosso mundo atual, repleto de dilemas modernos e tóxicos.