Crítica | Irresistível (Irresistible) [2020]

Nota do Filme:

A eleição presidencial de 2016 nos Estados Unidos foi um dos eventos mais impactantes da História recente do país. Do anúncio da candidatura de Donald Trump, em 2015, à confirmação de sua vitória na madrugada do dia 9 de novembro do ano seguinte, os norte-americanos – e por consequência o resto do mundo – viveram um período intenso, desgastante e traumático, cujas repercussões não terminaram com a sucessão de Trump por Joe Biden a partir de janeiro de 2021. Muito pelo contrário; elas se farão sentir, ao que tudo indica, por tempo indeterminado. É natural, portanto, que o Cinema se debruce cada vez mais sobre o tema, com o distanciamento histórico fazendo surgir produções que tratem do período. É o caso de Irresistible, comédia que emprega os acontecimentos de 2016 para questionar as estruturas eleitorais vividas pelos estadunidenses.

Gary Zimmer (Steve Carell) é um estrategista do Partido Democrata que precisa conviver com a frustação de ter coordenado a derrotada campanha de Hillary Clinton. Uma chance de se redimir aparece quando ele fica sabendo de Jack Hastings (Chris Cooper), um fazendeiro de uma pequena cidade do meio-oeste que viraliza na internet após fazer um discurso inspirado. Zimmer então viaja ao local para tentar fazer de Hastings o novo prefeito, enfrentando a oposição de Faith Brewster (Rose Byrne), estrategista do Partido Republicano que comandará a campanha rival.

Escrito e dirigido por Jon Stewart, o longa aproveita a experiência adquirida ao lidar com sátiras políticas de seu realizador, que durante anos comandou o Daily Show (programa televisivo que, além de Carell, ajudou a popularizar grandes nomes da comédia do calibre de John Oliver, Stephen Colbert, Ed Helms, Rob Corddry e Samantha Bee), para tecer vários comentários ácidos sobre o (mau)funcionamento das instituições yankees. E, se você está familiarizado(a) com o trabalho de Stewart, sabe que não sobra para praticamente ninguém: se a Fox News e sua máquina de propaganda são um alvo, também sobra para a CNN e seu jornalismo de falsas equivalências. Se os caminhos asquerosos que o Partido Republicano resolveu tomar nos últimos anos são obviamente atacados, também não sai ileso o establishment dos Democratas e sua incapacidade de responder às necessidades mais urgentes da população.

A competência de Stewart enquanto comediante faz com que o projeto mantenha sempre um nível mínimo de sofisticação mesmo em seus momentos menos inspirados, evitando assim qualquer tipo de humor rasteiro durante a narrativa. Isso diferencia, por exemplo, Irresistible de Os Candidatos (2012), que também abordava os bastidores de uma campanha política (tanto que o título original é The Campaign) ao colocar os personagens de Will Ferrell e Zach Galifianakis sendo manipulados por uma dupla de lobistas milionários claramente inspirados nos inescrupulosos irmãos Koch.

Embora não chegue a ficar no piloto automático, Carell utiliza muito de sua já conhecida persona na criação de Zimmer, sendo favorecido pelo cinismo inerente à mesma. Já Byrne se aproveita do aspecto caricatural que as equivalentes de sua personagem possuem na vida real, adquirindo assim carta branca para abraçar o exagero. E Cooper, um talentoso ator que infelizmente ainda é menos aproveitado do que deveria, se converte no centro racional e dotado de bom senso da trama, ponto que se justifica sobretudo pelos acontecimentos do terceiro ato.

Irresistible ainda conta com uma cena durante os créditos finais, em tom documental, que escancara os absurdos da política e revela como os sistemas eleitoral, judiciário e econômico estão intimamente articulados para manter uma estrutura que permite as maiores insanidades, o que deixa o filme com certos tons de desesperança e pessimismo em seu desfecho. Afinal, após testemunhar os ocorridos naquela cidade, microcosmo de um país com dimensões continentais, como sentir algo diferente?