Crítica | Réquiem para um Sonho (Requiem for a Dream) [2000]

Nota do Filme:

Réquiem para um Sonho conta a história de quatro indivíduos e os seus respectivos vícios. Sara Goldfarb (Ellen Burstyn), viúva aposentada, vive em um apartamento pequeno e tem delírios de, eventualmente, ascender socialmente. Quando recebe um convite para participar de seu programa de TV favorito, passa a tomar remédios de emagrecimento, para que pudesse usar o seu vestido vermelho favorito, remanescente de uma época mais jovem e feliz.

Ao mesmo tempo, seu filho Harry (Jared Leto), usuário de heroína – dentre outras drogas – tenta ganhar a vida como traficante junto de seu amigo Tyrone Love (Marlon Wayans). O plano é arrecadar dinheiro o bastante para alavancar a carreira de estilista de sua namorada, Marion Silver (Jennifer Connelly), também usuária.

Réquiem para um Sonho foi o segundo longa metragem de Darren Aronofsky, após o seu filme de estreia, Pi. Hoje mais conhecido por Cisne Negro e Mãe!, é interessante analisar o trabalho anterior do diretor, quando ainda caminhava ruma a uma carreira mais conhecida em Hollywood. Nota-se a sua ausência de timidez, uma vez que se propõe, desde cedo, a abordar temáticas complexas e polêmicas. Isto porque se trata, em essência, de uma história sobre vício e as suas muitas facetas.

Nesse sentido, a sua ousadia se mostra quase palpável ao analisarmos o arco por qual passa Sara Goldfarb. O espectador mais atento irá notar, desde o início, que a sua compulsão está sempre em evidência, visto que passa o dia consumindo conteúdos televisivos e alimentos industrializados. Contudo, ao contrário dos outros protagonistas, cuja obsessão são substâncias ilícitas, certamente haverá quem diga que a personagem está livre de problemas.

Tal entendimento destaca Aronofsky no segmento, uma vez que está disposto a abordar a problemática do vício não apenas sob um viés moralista, mas sim pragmático. Por mais que, a priori, tais atitudes não levantem preocupação, a fixação permanece junto à pessoa, de modo que, alteradas as circunstâncias, poderia essa, também, cair.

No longa, a queda é representada justamente pela possibilidade de concretização do sonho de Sara. Ao ser chamada para participar de seu programa favorita, sua intenção é surgir com a melhor aparência possível – sendo, inclusive, um comentário acerca da problemática de aceitação de si próprio(a) após o envelhecimento –, o que envolve remédios para perda de peso que, rapidamente, trazem consequências negativas. Todavia, o diretor não se limita em sua abordagem e traz, também, uma visão mais tradicional do tema. Nesse sentido, a jornada de Harry, Marion e Tyrone possui, cada qual, seus percalços. Resta, à audiência, ficar impressionada com a distância que estão dispostos a percorrer para, simplesmente, saciar a sua vontade.

Ainda, o controle narrativo impressiona, principalmente ao considerarmos o simbolismo de determinados fatores. Nessa seara, Sara e Harry, mãe e filho, perseguem o seu próprio objetivo, no longa representado por um simples vestido vermelho. Enquanto a matriarca sente saudades de uma época na qual se via linda, acompanhada de seu marido – hoje falecido – e seu filho – antes de iniciar o consumo de substâncias ilícitas –, este busca a sua independência financeira por meio da carreira de estilista de sua namorada. Dessa forma, em cenários claramente imaginativos, vê-se tentando alcançar Marion, também em um vestido vermelho.

Com um roteiro tão competente, torce-se para que os outros aspectos técnicos tenham qualidade semelhante. Felizmente, este é o caso, sobretudo no que diz respeito à trilha sonora e à edição. A primeira, intensa e um tanto quanto perturbadora, faz com que o espectador sinta, inclusive, certo desconforto, o que ajuda na imersão na história. A segunda, frenética, permeada por sucessivos cortes, especialmente na representação do uso de drogas – tanto lícitas quanto ilícitas –, demonstra a efemeridade da sensação que essa causa, de modo a transmitir uma forte ansiedade à audiência, fazendo quase com que sinta os efeitos avassaladores do vício.

As atuações impressionam, principalmente pela sobriedade. O quarteto principal – Ellen Burstyn, Jared Leto, Jennifer Connelly e Marlon Wayans – se entregam totalmente aos seu papéis. Importante destacar a indicação de Ellen ao Oscar de Melhor Atriz Principal, em decorrência de seu trabalho no longa.

Com um final trágico, Réquiem para um Sonho ajudou a sedimentar a carreira de Darren Aronofsky como um nome a ser acompanhado. Demonstrando ousadia e inventividade, cunhou uma história sobre vício que não se limita ao lugar comum. Pelo contrário, aproveita a oportunidade para se expandir. Um filme memorável que, certamente, marcou a carreira dos envolvidos e traz, até hoje, debates essenciais à sociedade.