Todos os Homens do Presidente (1976) e o jornalismo em cena

A importância do jornalismo na sociedade vem muito antes da representação cinematográfica da profissão. No dia a dia, o papel do jornalista já era reconhecido com um forte teor social e político, de modo que seu serviço é considerado público – apesar da questão dos oligopólios midiáticos -, tornando de extrema valia a relação do profissional não somente com os acontecimentos da sociedade como também, e ainda mais, com os próprios cidadãos. Sua atuação social é única e é claro que o cinema, principalmente Hollywood, percebeu a necessidade em representar esse personagem. Entre tantos filmes que retratam o jornalista, destaca-se até hoje entre comunicólogos Todos os Homens do Presidente, lançado em 1976. 

Dirigido por Alan Pakula, o filme explora o Caso Watergate a partir da investigação realizada por dois repórteres do Washington Post. Apesar de tratar de um dos maiores escândalos políticos do mundo, que teve como consequência a renúncia do presidente americano Richard Nixon, o que mais chama a atenção na narrativa é a presença dos jornalistas e dos aspectos que tornam-nos únicos perante outras profissões expostas no filme. Os protagonistas, Robert Woodward (Robert Redford) e Carl Bernstein (Dustin Hoffman), mesmo com as suas diferenças de personalidade – enquanto Robert é meticuloso e organizado, Carl é o estereótipo do jornalista boêmio, que não se veste adequadamente e vive constantemente em uma desordem -, são retratados sob um viés glamorizado e romântico durante a trama, que tem como objetivo mostrar a busca incessante pelas informações e o progresso de uma matéria investigativa. 

As interpretações do profissional na sétima arte foram responsáveis por criar um perfil muito particular à profissão, criando um laço afetivo com o público. Em Todos os Homens do Presidente, os personagens ficam responsáveis por mostrar o ofício como uma atividade livre – ambos têm liberdade na redação para irem atrás de fontes e conseguirem da forma que for preciso informações que sejam valiosas para a matéria, podem circular pela cidade, etc –, mas ao mesmo tempo de grande importância social – o interesse da publicação de uma matéria investigativa sobre o Caso Watergate é público e com forte teor democrático. ‘’Se, por um lado, a atividade livre, sem regras ou procedimentos rígidos adotada pelas redações referendava a já conhecida imagem boêmia do profissional, por outros, os compromissos do jornal conferiram não raras vezes ao jornalista um importante papel político e social, atribuindo ao exercício da profissão foros de uma missão.’’ (SENRA STELLA, 1997, p.19). 

A presença do jornalista no filme vai muito além da representação do trabalho. A arte cinematográfica, assim como a jornalística, segue um padrão narrativo romanesco, cuja função é centralizar em personagens fortes e individuais em torno de uma ação dentro de um contexto próprio. Portanto, ambas seguem uma estrutura que pode ser definida em: personagem – acontecimento – desfecho, cujo objetivo é transparecer objetividade e verdade. ‘’Como personagem do filme, a sua simples presença tem tido o dom de ‘’contaminar’’ as imagens que o acompanham, conferindo-lhes a caução de uma veracidade que o cinema sempre esteve preocupado em restaurar.’’ (SENRA, 1997, p.39).

À luz desse pensamento, a visão dos personagens Robert e Carl podem ser vistas como responsáveis por consolidar as imagens registradas na narrativa, criando um laço com a realidade. O cansaço expressado por eles quando as informações coletadas não davam em nada e serviam apenas para confundir o que eles chamaram de ‘’quebra-cabeça’’ ou sua insistência com uma fonte para não deixar a matéria cair, entre outros momentos do filme, direcionam os espectadores de acordo com as emoções sentidas por eles como profissionais, aproximando-os da rotina de um jornalista e tornando-a mais realista perante aos olhos de quem os estão assistindo. Como dito acima, Todos os Homens do Presidente retratou o jornalista de forma muito romantizada. No entanto, o filme realizou esse feitio com um roteiro muito completo e realista, realçando as qualidades e pré-requisitos do profissional do jornalismo informativo em uma narrativa que impôs aos personagens os três desafios da profissão: da apuração, do relato, e da separação.

O primeiro, que é caracterizado pela pesquisa, entrevistas e observação das fontes, é um dos mais presentes. Desde o início, ambos os personagens estão focados em construir a matéria, independente do esforço necessário para tal. Em diversas cenas, é possível observar, por exemplo, Robert ligando para possíveis personagens da matéria, juntando as informações coletadas. Em outro momento, vimos Carl indo ao encontro de uma possível fonte em outro Estado. Já o segundo desafio é representado pelas características de um texto jornalístico – narrativa clara e precisa. Logo no início do filme, é possível perceber que Carl possui um texto melhor que o do Robert e vivia ‘’polishing’’ a matéria do outro – que estava apenas há nove meses na redação. O último é o que, geralmente, é o mais difícil a ser seguido. O controle e distanciamento das informações, dos sentimentos e impressões são essenciais para a produção de um texto imparcial. Em suas reportagens, principalmente na do Caso Watergate, Robert e Carl dão ênfase nas informações e na objetividade delas.

Mesmo que Carl, por exemplo, tivesse momentos em que muitas vezes usava a sua intuição ou observação do comportamento de alguma fonte para conseguir algum dado, no fim o que prevalecia era a revelação. ”Bob e Carl levam até as últimas consequências o trabalho investigativo, transformando a aventura da reportagem investigativa no ideal do jornalismo, isto é, tudo está provado, tudo tem provas, tudo está checado, verificado.” (BERGER, 2002, p.124) Considerados exemplos para jovens jornalistas até os dias atuais, Robert e Carl trabalharam com um método que é visto como uma homenagem à profissão. ‘’Todos os Homens do Presidente’’ mostrou de forma profunda a particularidade de uma reportagem investigativa; enaltece a relação objetiva e verdadeira entre informação, denúncias, suspeitas, detalhes e profissionais. ‘’O jornalista, que se move entre fontes traiçoeiras e constatações imprecisas, procurará constantemente a triangulação entre os elementos disponíveis, para não se render à interpretação que lhe é proposta.’’ (COLOMBO, 1998, p.50)

Em meio a tantas fontes, a entrada das informações vinda de ‘’deep throats’’ (nome dado a um informante secreto), reforça a característica de que a investigação deles foi solitária e perigosa. No entanto, apesar de todos os obstáculos, o foco deles permaneceu em decifrar e entender o ocorrido contra todos os riscos e luta de poder – mostrado em uma cena na qual o editor chefe questiona se deveria ou não publicar essa matéria, pois ela aborda um assunto de teor nacional e político, que poderia vir a destruir o jornal. Além dos personagens, o filme trouxe a representação do universo jornalístico por meio da utilização da redação – que contou com muitos artigos da verdadeira redação do Washington Post – como cenário e de alguns momentos que fazem parte do cotidiano do ambiente de trabalho em geral.

A redação é vista como um ambiente barulhento, no qual o ritmo é agitado e apressado. Tudo é preciso ser resolvido na hora e no tempo da notícia. Papéis sendo impressos, telefones tocando ao mesmo tempo, chefe pedindo para fechar a matéria, barulho da máquina de escrever e, por fim, o famoso café. Tudo isso, junto a presença dos jornalistas, torna o filme mais verídico. Outro aspecto que chama atenção para a relação realidade-representação são as reuniões entre as editorias. Considerados, talvez, os momentos mais descontraídos do filme, essas reuniões ilustravam como eram escolhidas as matérias de cada edição, qual repórter ficaria com certa matéria, entre outras coisas. Além disso, era importante ilustrar o papel do chefe de redação para demarcar o trabalho do jornalista – mesmo com a incessante vontade em produzir uma matéria de tamanho impacto, os jornalistas ainda corriam o risco de perder a matéria caso não tivesse espaço na edição ou o editor não aprovasse. 

Sem dúvidas, Todos os Homens do Presidente é estudado e discutido por toda a sua produção narrativa e representação do profissional. No entanto, nos dias atuais, o filme pode ser usado como material para comparar o jornalista de ontem com o de hoje. Enquanto na época do Caso Watergate, por exemplo, o profissional vivia em total sintonia com o ambiente urbano, atento ao que acontecia ao seu redor nas ruas e no mundo e saindo da redação para buscar material, hoje ele é representado por um jornalista que tem tudo à sua disposição. O aparato tecnológico transformou as atividades jornalísticas em algo mais recluso. Em Todos os Homens do Presidente, o espectador observa Robert e Carl indo ao encontro de suas fontes não só por telefone como também nas ruas, nas bibliotecas, em lugares públicos. ‘’O profissional de imprensa tem sido provavelmente a personagem em sintonia mais fina com a cidade, ou melhor, aquela cuja atuação parece implicar na integração perfeita de uma atividade profissional com este espaço específico.’’ (SENRA, 1997, p.107)

Hoje, no entanto, o jornalista apura sentado da sua mesa de computador. Muitas vezes, a produção de uma matéria é feita sem nenhum contato com a cidade e as pessoas nela presentes; não há observação da fonte, do ambiente, do contexto do momento. Atualmente, além da questão tecnológica, em sua maioria, não há mais o prazer em exercer a profissão, mas sim em tornar o seu título de jornalista em estrelato – ‘’que viria a ser compensada não mais pela afirmação de uma ‘’identidade’’, mas antes pela necessidade de construir uma imagem capaz de destacá-lo da massa indiferenciada da redação’’ (SENRA, 1997, p.28) –, construído devido a mudança na característica política e social da função. Ao narrar a longa e cansativa estrada a caminho da notícia, Todos os Homens do Presidente transformou a visão presente na sociedade de uma reportagem investigativa por meio de cenário, personagens e aplicação das características reais na narrativa.

Desde a apuração até a construção da matéria, o filme tratou de forma responsável o processo do trabalho jornalístico. Ao mostrar como uma matéria sobre um aparente simples roubo torna-se a maior investigação jornalística da história da profissão, o filme é, sem dúvidas, uma afirmação do ideal do jornalismo. Robert e Carl foram brilhantes ao mostrar como que deve agir um jornalista comprometido com a ética, profissionalismo, transparência, liberdade, independência e democracia. Os repórteres, ao perceberem a importância que a história teria para a nação, fizeram de tudo para informar e fiscalizar os poderes dentro dos limites do ofício. Assim, com a ajuda de dois grandes jornalistas, Todos os Homens do Presidente é até hoje ‘’uma alegoria/alusão à democracia e ao jornalismo norte-americanos.’’ (BERGER, 2002, p.126). Para todos os Robert e Carls do mundo jornalístico, a reportagem objetiva e séria sempre será necessária à democracia e à liberdade de uma nação.  

Bibliografia:  

BERGER, Christa. Jornalismo no Cinema: Filmografia e Comentários. Porto Alegre, Ed. Universidade/UFRGS, 2002. 

SENRA, Stella. O Último Jornalista: Imagens de Cinema. São Paulo, Estação Liberdade, 1997. 

Filmografia:

Todos os Homens do Presidente, Alan Pakula, 1976.