Crítica | Fresh (2022)

“Vamos lá. Dê um sorriso.”

Noa

Nota do Filme:

Fresh segue Noa (Daisy Edgar-Jones) enquanto navega no temível mundo dos encontros modernos e flerte do século XXI. Após desapontamentos recentes com aplicativos, conhece ocasionalmente no mercado, Steve (Sebastian Stan) e, após alguns poucos encontros, é atraída até a sua residência, apenas para descobrir que ele prentede mantê-la presa e retirar a sua carne, aos poucos, para consumo.

Mimi Cave, mais conhecida por dirigir videoclipes, faz, aqui, a sua estreia na cadeira de direção de um longa-metragem. Ainda que seja a sua primeira vez em um projeto do gênero, o estranho roteiro ganha, sob sua mão, um quê artístico interessante, que o eleva acima de típicas comédias de terror non sense.

Isto é, a primeira coisa que se percebe em Fresh é que há paixão envolvida. Há cuidado em cada take, de modo que cada cena dialoga, ainda que de maneira sútil, com a temática  da história, por mais absurdo que possa parecer. Ao mesmo tempo, há também destemor por parte da diretora que “segura” os créditos iniciais até os 33 minutos iniciais, confiante que o prólogo do longa é, per si, o bastante para prender o espectador – e não está errada. O enredo canibal, ainda que não dita de maneira expressa nos materiais promocionais, é evidente há qualquer um. Dessa forma, a audiência pressente o perigo no qual a protagonista, involuntariamente, se vê envolvida.

Nessa seara, faz-se necessário destacar um dos pontos mais altos do filme: a atuação. Daisy Edgar-Jones transmite não apenas delicadeza, mas, mais importante, força, ao mesmo tempo em que se mantém relacionável a quem a assiste. É possível – e provável – se reconhecer navegando pelas nuances e futilidades que é o mundo romântico atual. Sebastian Stan rouba a cena e convence, de maneira um tanto quanto inquietante, como alguém que tem hábitos culinários tão peculiares quanto os dele. Destaca-se, por fim, o ótimo trabalho de Jojo T. Gibbs como Mollie, melhor amiga de Noa que busca resolver o mistério de seu repentino desaparecimento e reencontrá-la.

O longa, em si, tem seus melhores momentos nos dois primeiros atos, quando conhecemos as personagens e, cada vez mais, “mergulhamos”  nesta estranha narrativa. Nessas horas, a comédia reside no absurdo da situação, um humor ácido e recheado de trocadilhos que, por mais terrível que possa parecer, não deixa de ser cômico, a seu próprio modo. À audiência resta apenas rir, ao mesmo tempo em que se sente desconfortável por isso.

Todavia, no terceiro ato, surgem alguns problemas, especialmente no que diz respeito ao ritmo. Toda a construção até o ápice é bem feita, ressalta-se, contudo, o desenrolar da cena – que inclui decisões, no mínimo, questionáveis de todos os envolvidos – acaba por diminuir a sua importância, durando  mais do que deveria. Em determinado momento se perde o timing para o encerramento, o que acaba por dispersar a atenção do espectador da resolução.

A mensagem do filme não poderia ser mais clara, o que de forma alguma é um demérito ao roteiro. A imagem de uma mulher sendo consumida, pouco a pouco, por homens, até que não lhe sobre nada funciona, também, em uma camada metafórica, sendo uma situação perfeitamente relacionável, ainda que, no longa, a representação seja literal.

Ao mesmo tempo, a crítica à pressão social para que pessoas se relacionem de maneira romântica não poderia ser mais necessária. Isto porque, na pressa para tal, ignora-se certos sinais, abandonando-se a cautela necessária para uma empreitada tão íntima quanto esta.

Não é algo, porém, que diminui tudo aquilo que lhe antecede, sendo o saldo bastante positivo. A bem da verdade, Fresh é um filme simples e direto, com ótimas atuações, uma direção madura e um roteiro genuinamente cômico – ainda que de uma maneira perturbadora. Decerto algo diferente do que estamos acostumados, de uma boa maneira.