Homem-Formiga – O Vingador Subestimado

Homem-Formiga, junto de Guardiões da Galáxia, foi uma das apostas da Marvel na sua Fase Dois. Isto porque, ao contrário dos Vingadores clássicos, os filmes tratam de personagens não tão conhecidos pelo público geral, de modo que havia um certo receio com o seu sucesso nas telonas. Pior, uma vez que o manto seria assumido não pelo herói original, Hank Pym, mas sim pelo seu sucessor, Scott Lang.

Engana-se, porém, quem acredita que não houve um cuidadoso planejamento quanto à produção do filme, eis que figura nos planos da empresa desde os anos 2000. Inicialmente cotado para dirigi-lo, Edgar Wright (Em Ritmo de Fuga e Todo Mundo Quase Morto) era um entusiasta do projeto, inclusive sendo responsável pelo anúncio do filme, ainda em 2006. Escreveu, também, diferentes versões do roteiro, a primeira entregue em 2007, um ano antes do início oficial do MCU.

Após a divulgação oficial da data de lançamento (6 de novembro de 2015), porém, problemas surgiram. Por se tratar, já naquele momento, de uma franquia extremamente bem sucedida, houve necessidade de se alterar o script para “encaixá-lo melhor com o Universo Cinematográfico”. No final de 2013 o local de filmagem teve que ser alterado do Reino Unido para os Estados Unidos. Embates entre Kevin Feige e Wright acerca do controle criativo da obra resultam na saída de Edgar, com a direção ficando a cargo de Peyton Reed.

As polêmicas continuaram até o lançamento, mas, a despeito disso, o personagem do Homem-Formiga conseguiu conquistar a audiência tornando o herói, antes subestimado, em um dos favoritos dos fãs, com uma participação imprescindível na resolução de Vingadores – Ultimato. O presente texto busca, então, analisar quais fatores podem ter influenciado nessa aceitação por parte dos espectadores, a despeito dos percalços na produção do filme, bem como da não popularidade do herói.

O Herói Relutante

“Acho que primeiro, devíamos chamar os Vingadores.”

Scott Lang

A jornada de Scott Lang é, desde o seu início, diferente do que usualmente se espera de um super-herói. Alguns nascem nesse universo, como Thor e T’Challa, destinados a governarem seus reinos. Outros buscam esse papel, como Tony Stark, na construção de sua armadura, ou Steve Rogers, ao se voluntariar para o experimento do Super Soldado. E, ainda, há aqueles que veem, em suas habilidades, uma obrigação em ajudar o próximo, como Peter Parker e Carol Danvers.

Lang, porém, foi escolhido [1]. Não uma escolha eticamente motivada, muito pelo contrário. Ele foi escolhido justamente por ser dispensável. Hank Pym, traumatizado pela perda de sua esposa, era incapaz de considerar sua filha, Hope, uma candidata viável a assumir o manto do herói, por medo dos inevitáveis perigos que isso acarretaria. Aproveitou-se, assim, de outra pessoa, uma que tinha tanto a necessidade de se provar para a sua filha, quanto para si mesmo.

“Eu sou dispensável. É por isso que estou aqui. Você já deve ter percebido. Quero dizer, é o porquê eu uso o traje e você não. Ele prefere perder essa luta a perder você.”

Scott Lang

É uma interpretação um tanto quanto perturbadora acerca do personagem de Michael Douglas, mas perfeitamente corroborada pelo seu arco. A dor da perda da esposa o alterou, dificultando não apenas que se relacionasse com a sua filha, dada a excessiva proteção que impõe à ela, como também o tornou mais cético e frio. O próprio modo como ele propõe testar seu futuro prodígio demonstra a grande indiferença que tem para com Scott – ao menos até aquele momento –, tamanho o perigo ao qual o expõe de maneira tão rápida e imprudente.

Dessa forma, o roteiro consegue, sem dificuldade, aproximar o espectador de Lang, tornando-o extremamente simpático, uma vez que, por ser apenas uma pessoa comum, é facilmente relacionável. A sua relutância em aceitar o seu papel apenas reforça essa característica, quase como um espelho à audiência que, em seu lugar, teria as mesmas dificuldades.

Todos esses fatores culminam para que o personagem se desenvolva da maneira mais natural possível, aprendendo a aceitar a responsabilidade que lhe é imposta, o que se transmite à sua vida pessoal. Ao entender o seu papel não apenas como herói, mas também como pai, torna-se a melhor versão de si mesmo. Dessa forma, a sua rápida decisão de se sacrificar não parece impensada ou abrupta, mas sim à resolução de seu arco transmitida em ações. A ajuda que fornece ao Capitão América em Guerra Civil, a atuação que tem no resgate de Janet Van Dyne e, mais importante, o papel crucial que desempenha em Vingadores – Ultimato, são todos reflexos da sua evolução como pessoa, ainda em 2015.

Criatividade e Individualidade

O setlist de “poderes” do Homem-Formiga é, certamente, um dos mais diferentes de todo o MCU. Ao contrário de poderes clássicos como maior capacidade física – Capitão América – ou rajadas de energia – Capitã Marvel –, o herói meramente encolhe, posteriormente desenvolvendo a habilidade de aumentar o seu tamanho. Dessa maneira, há um leque de possibilidades a ser explorado, com batalhas e eventos pouco convencionais.

Nesse sentido, por mais que Homem-Formiga esteja longe de ser um dos melhores filmes do Universo Cinematográfico, conta com um dos melhores combates da Marvel. O embate entre o herói e o vilão Jaqueta Amarela se utiliza de sua singularidade para apresentar uma luta criativa e divertida. A memorabilidade da cena é imprescindível, vez que, por mais que a audiência simpatize com Scott, precisa, também, se lembrar dele.

Esse fator não se limita aos personagens títulos, mas se expande, também, para antagonistas. Por mais que Homem-Formiga e a Vespa conte com um roteiro difuso e pouco focado, é impossível se esquecer das cenas com a Fantasma de Hannah John-Kamen. Ainda que o conflito entre o herói e a vilã seja mais contido que muitos outros do Universo Marvel, é justamente esse o fator que faz com que ele se destaque.

“Cada célula em meu corpo é despedaçada e costurada novamente. Várias e várias vezes, todos os dias.”

Ava

Paul Rudd

Antes de entrar em detalhes acerca do porquê Paul Rudd é, de fato, imprescindível para a crescente importância que o personagem recebeu por parte do Universo Cinematográfico, primeiramente, devemos destacar a atuação de um tipo de profissional que, raramente, recebe o crédito devido: diretor(a) de elenco. A função, no MCU, é desempenhada pela excepcional Sarah Halley Finn, que tem inegável influência no sucesso de seus muitos filmes.

Isto porque, com exceção de O Incrível Hulk – sendo o elenco, inclusive, uma constante crítica ao longa – Sarah teve papel fundamental na escalação de cada um dos atores. Foi, junto de Jon Favreau, uma das defensoras de Robert Downey Jr. como protagonista de Homem de Ferro. E, quando James Gunn não conseguia visualizar um ator para dar vida ao Lorde das Estrelas, foi Sarah quem sugeriu a escolha de Chris Pratt.

Ressalta-se esse fator pois Paul Rudd, à época, também foi visto com certo ceticismo por parte dos fãs. Antes de sua escalação para o filme, contava com papéis bem sucedidos em comédias, como O Virgem de 40 Anos e O Âncora – A Lenda de Ron Burgundy, de modo que não havia qualquer comparativo a ser traçado. Contudo, a despeito disso, conseguiu trazer ao papel uma dose de carisma em um nível que dificilmente outros atores poderiam tê-lo feito.

Seu background cômico ajudou a trazer uma faceta mais simples a herói, sem jamais torná-lo caricato, muito pelo contrário. Se enxergamos, em personagens como Steve Rogers e Carol Denvers, admiração, em Scott Lang encontramos alguém familiar, mérito esse não apenas do roteiro, mas daquele que o interpreta. Esse fator é imprescindível para que momentos emocionantes sejam catárticos à audiência. Destaca-se, aqui, o momento em que Lang reencontra Cassie, após cinco anos no Reino Quântico.

Todavia, um ator não trabalha em um vácuo, motivo pelo qual seria relapso não mencionar que Rudd conta com um dos melhores elencos de suporte do MCU. Sua filha, interpretada por Abby Ryder Fortson [2] nos dois filmes solos provê a doçura necessária ao personagem. T.I. e David Dastmalchian estão ótimos, a despeito do pouco tempo de tela e, por fim, o Luis, de Michael Peña, consegue roubar a cena sempre que surge.

“Ela me deixou. Minha mãe morreu. Meu pai foi deportado. Mas fiquei com a van.”

Luis

Todos esses fatores, então, ajudaram a fazer com que o personagem passasse de uma aposta arriscada a um membro de valor inestimável ao MCU. Alguém cujo papel pós-Thanos foi imprescindível à vitória dos heróis, demonstrando um grande crescimento para um personagem com aparições em apenas quatro filmes, Ultimato incluso. Com o futuro ainda incerto acerca da possibilidade de um terceiro filme do Homem-Formiga, nos resta apenas esperar as próximas aventuras do herói.

[1] Por mais que se possa argumentar que Steve Rogers foi, também, escolhido por Abraham Erskine para o experimento, a diferença continua considerável, eis que há inegável proatividade do Capitão na questão.

[2] Emma Fuhrmann dá vida à versão mais velha de Cassie, em Vingadores – Ultimato, mas, com apenas uma duas cenas no filme, ainda é cedo demais para avaliar o seu trabalho.