Crítica | Ferrugem (2018)

Nota do filme:

O ano de 2018 foi especial para o cinema brasileiro. Diversas produções, dos mais variados gêneros, ganharam destaque nacional e até mesmo internacional, aparecendo tanto em competições sul-americanas, quanto em respeitados festivais estadunidenses e europeus. Além dos premiados As Boas Maneiras (2018), Benzinho (2018), O Processo (2018) e Tinta Bruta (2018), algumas outras obras ganharam elogios da crítica especializada e do público em geral durante suas apresentações em mostras e em circuitos comerciais. Tungstênio (2018), O Animal Cordial (2018) e O Beijo no Asfalto (2018) são exemplos de filmes que se enquadram nessa última categoria que também tem Ferrugem (2018) como um de seus participantes.    

Tati (Tifanny Dopke) e Renet (Giovanni de Lorenzi) são colegas de sala. No meio do turbilhão de sentimentos e acontecimentos cuja importância é elevada à enésima potência, ambos encontram o conforto necessário na solidão do celular e das redes sociais. Mesmo tímidos para tomar o primeiro passo, a dupla já troca mensagens, olhares e flertes há um certo tempo. Depois de uma viagem com a turma do colégio, um acontecimento “perturba” a timidez dos jovens e vira suas vidas de cabeça para baixo.

Tati (Tifanny Dopke) e os demais alunos do colégio

O filme, dirigido pelo baiano Aly Muritiba, é mais uma das milhares de obras a abordar a temática adolescente e da superexposição, voluntária ou não, nas redes sociais. Dividido em dois capítulos muito distintos, a película faz bem a transição entre gêneros e estilos visuais. No começo de seu primeiro ato, com o foco diretamente em Tati, o diretor cria uma atmosfera mais leve, com cores fortes e até mesmo neon, que são usadas para desenvolver quase que um história de romance. Somos apresentados às características e ao passado dos protagonistas, tomamos conhecimento de seus traumas e preferências, e conhecemos um pouco de seus familiares e amigos.

Com o passar dos minutos, a temática vai ganhando peso dramático e complicações dignas de um filme de Gus Van SantElephant (2003) é uma boa referência para entender e imaginar o que vai acontecer por aqui. Após o vazamento de um vídeo íntimo, Tati começa a experimentar uma alta dose de perturbação social, humilhação pública e resquícios de um antigo relacionamento abusivo. A narrativa super atual também é muito competente em deflagar diversos preconceitos pungentes em nossa sociedade patriarcal. Aqui, a mulher é taxada de vagabunda por fazer sexo e a vítima é sempre culpabilizada pelos acontecimentos.

Tati (Tifanny Dopke) e Renet (Giovanni de Lorenzi)

O maior trunfo do filme é conseguir criar de forma orgânica uma dicotomia que parece sutil, mas no fundo dita o ritmo do restante da experiência. Temos de um lado o silêncio proporcionado pela vida online, é frequente ver Renet ouvindo suas musicas e Tati mexendo em suas redes. No outro, temos o barulho coletivo e ensurdecedor da superexposição causada pelo crime virtual. O comportamento da massa afeta a bolha social criada pelos dispositivos eletrônicos.

Outra coisa que o filme faz – e muito bem – é a captura de certos planos imagéticos. Planos longos e com a câmera fixa acompanham os momentos de introspecção e reflexão dos jovens. Outros pontos de destaque são: a cena em que Tati conversa com seu ex-namorado atrás das grades do colégio, mostrando, metaforicamente, como a vida dos dois está refém da sociedade (a dupla é a protagonista do vídeo íntimo); e o momento em que o desenho de um coração com a frase “mina você é linda” aparece sobre a cabeça da jovem tentando trazer um falso ar de otimismo e valorização do eu, algo tão difícil de se vivenciar quando somos mais novos e neuróticos com as opiniões de terceiros.

Tati (Tifanny Dopke) e as redes sociais

Infelizmente, o ritmo e o engajamento caem bastante com a transição de capítulos. Na segunda parte do filme, acompanhamos os acontecimentos posteriores sob a visão de Renet. O foco passa a ser, além do problema já relatado anteriormente, o seu relacionamento com seu pai Davi (Enrique Díaz), e sua mãe Raquel (Clarissa Kiste). Separados há um certo tempo, o casal tem formas muito diferentes de lidar com as situações. Enquanto Davi é distante e quieto, Raquel tem uma certa moralidade e um forte instinto materno. Aqui, as cores passam a ser mais sóbrias e frias, corroborando os sentimentos de solidão, tristeza e arrependimento que pairam no ar dos personagens. Entretanto, os planos de câmera fixa permanecem e reforçam o desconforto que Aly Muritiba quer passar.

No geral, Ferrugem é um ótimo filme. O roteiro consegue transformar o silêncio e o conformismo de certos personagens em algo mais “barulhento” que os próprios diálogos e conflitos. As atuações dos jovens estreantes Tifanny e Giovanni são ótimas, assim como a personagem vivida por Clarissa. Porém, problemas com o ritmo e com uma certa diminuição no interesse narrativo fazem o filme perder um pouco de força.