Crítica | Thor: Ragnarok [2017]

Nota do Filme:

O humor no cinema é uma ferramenta que possui diversas finalidades, sendo uma delas a de diminuir ou evitar a tensão sobre algum momento, deixando uma atmosfera leve sobre o filme. Contudo, ao aplicar esse recurso sem parcimônia em um gênero que não seja a comédia, pode soar infantil, bobo e até forçado, errando mais do que acertando no resultado final.

“Thor (Chris Hemsworth) está preso do outro lado do universo. Ele precisa correr contra o tempo para voltar a Asgard e parar Ragnarok, a destruição de seu mundo, que está nas mãos da poderosa e implacável vilã Hela (Cate Blanchett). ”

Com essa sinopse que claramente dá indícios de uma trama densa, complexa e dramática, o caminho percorrido pelo longa é oposto ao imaginado por conta do humor aplicado, perceptível já na cena inicial, destoando dos outros dois filmes da saga do deus nórdico ao explorar essa veia cômica e engraçada. E, apesar de esse ser o tom predominante da narrativa, o resultado final peca demais pelo excesso de piadas, pois não consegue criar tensão em situações necessárias.

Por causa disso, a direção de Taika Waititi (O Que Fazemos nas Sombras) funciona muito bem, destacando-se ainda as cenas de ação que são feitas de forma clara, utilizando-se de planos mais abertos e aproveitando o CGI ao máximo, criando um alívio cômico além do combate ao, por exemplo, utilizar o manuseio do Mjolnir para isso. E, o diretor consegue finalmente explorar a grandeza de Asgard, diferente dos outros dois longas do deus nórdico, captando planos aéreos que destacam toda a suntuosidade do reino.

Além disso, o roteiro consegue captar muito bem a essência cômica proporcionada pela leveza do longa, que ao inserir inúmeros elementos na narrativa, como a inclusão dos personagens do Hulk e Doutor Estranho (Benedict Cumberbatch), de maneira orgânica, além de que essa comédia do enredo funciona entre eles. E, quando o personagem de Cumberbatch é apresentado no longa, a edição e o som fazem um ótimo trabalho para introduzi-lo, usando cortes bruscos e sons da magia para criar o humor além do texto.

Ainda no quesito dos personagens, apesar do pouco tempo de tela, Anthony Hopkins impõe sua presença como Odin e cria um dos momentos mais dramáticos da trama, ao anunciar a vinda de Hela (Cate Blanchett), indo de contraponto ao roteiro até então com bastante piadas utilizadas, servindo ainda como um deus ex machina para a conclusão da narrativa, que é bastante plausível visto que é aplicada apenas a fórmula da jornada do herói. Porém quando Blanchett aparece, supre o espaço deixado por Hopkins, ou o supera, visto que seu talento é notável e se destaca no drama.

Com isso, quando o roteiro chega no ponto de dividida da narrativa, sendo esse o momento em que Hela vai para Asgard, e Loki e Thor vão para o planeta Saakaar, o humor continua sendo utilizado em grande escala, porém como o roteiro é tão abrangente apresenta novos personagens e desenvolve essas duas linhas temporais sem sobrepor uma a outra, com grande destaque para a edição. E o ritmo disso ocorre pelo controle de cena que Waititi possui, junto com o script, ao aplicar um tom mais sério quando Cate Blanchett está em cena, e utilizar o humor na situação que Thor se encontra.

Assim, o diretor diferencia as duas narrativas também com os movimentos de câmera, ao aplicar ângulos mais fixos para Hela, utilizando de movimentos circulares para estabelecer adoração da audiência a ela, além de poucos cortes e planos mais longos. Com Thor, há uma movimentação maior para criar intensidade no ritmo, com cortes mais rápidos e o sarcasmo constante.

E, após o desenvolvimento da narrativa com Thor sendo capturado pela Valquíria (Tessa Thompson) e se tornar uma espécie de gladiador, o roteiro insiste em errar pelo excesso novamente, inserindo mais piadas do que o necessário, além de apresentar cada vez mais personagens que funcionam como alívio cômico, por exemplo, o Grande Mestre e Kronan, banalizando tanto o humor que se torna repetitivo.

Ademais, é impressionante como Thompson encarna a guerreira que se tornou desiludida com o reino, fugindo de todas as batalhas que envolviam a coroa, afogando a sua solidão no alcoolismo, criando uma carga dramática densa mesmo que o roteiro a coloque em mais situações de humor do que drama.

E, a introdução de Hulk na narrativa é feita de forma espetacular pois, além de sanar a dúvida desde Vingadores: Era de Ultron sobre sua localização, ele surge em um dos combates mais bem elaborados do filme, apesar do grande volume inevitável de CGI, com o diretor levando todo o crédito por conseguir captar a ação na medida que o roteiro desenvolve o relacionamento dos dois durante a luta, quebrando a rivalidade ao introduzir o humor, deixando a atmosfera leve e frenética.

Todavia, nos momentos em que o roteiro tenta forçar o lado cômico para Hela, as cenas que ocorrem são péssimas porque destoa da persona criada pela atriz e pelo roteiro, ao mostrá-la como uma grande guerreira implacável, tornando esse humor sem graça.

E ao avançar as duas narrativas, há de se ressaltar duas coisas: a primeira é o relacionamento de Thor e Hulk que se torna o foco do roteiro, conduzindo o enredo por conta da química dos dois heróis e do humor que funciona como ingrediente principal. A segunda é o artifício que o script aplica para conectar as duas linhas temporais, que é Hendal (Idris Elba), ao mostrar para o deus asgardiano a situação que se encontra o reino, para que assim ele planeje o retorno quanto antes.

Vale ressaltar ainda que quando Hulk se transforma em Banner novamente, a relação entre o cientista e o deus do trovão toma outra tônica, transformando até então a constante rivalidade em algo como parceria e companheirismo.

Ainda, é necessário destacar o ótimo trabalho de Taika Waititi no geral, tendo momentos muito pontuais e escolhas bastante ousadas para o padrão Marvel, por exemplo, a cena em que encaixa o rosto de Hulk e Banner na tela do Quinjet para representar a dualidade dos dois, ou no flashback da batalha das Valquírias contra Hela, abusando do slow motion, além da fotografia fazer um trabalho grandioso, diferente do que foi mostrado em todo o longa, ao criar um combate com contornos épicos e divinos aplicando uma luminosidade mais intensa criando assim um jogo de luz e sombras, acenando muito para pinturas renascentistas.

Além disso, vale ressaltar que esse filme talvez seja o que mais aproveite a personalidade de Loki, sendo esse o fator principal trabalhado pelo roteiro com o seu personagem, aliado ao carisma e charme de Tom Hiddleston, pois por conta do sarcasmo constante, seu intérprete aplica o que tornou o Deus da Mentira popular nos longas anteriores, com um texto que exige dele exatamente isso.

E quando o enredo se encaminha para o desfecho, que é o retorno de Thor à Asgard, ocorre o destaque final do diretor, demonstrando controle de cena ao coordenar dois núcleos de batalha simultaneamente, aliado a edição, conduzindo as lutas da mesma forma como no início, apesar de nesse momento haver mais cortes, porém sem atrapalhar o resultado final. E Waititi vai além, ao transformar esses dois ambientes em três, culminando assim para o clímax da narrativa ao juntá-los.

E esse momento se dá após ocorrer o despertar de Thor, criando assim o momento mais aclamado pela audiência, com o Deus do Trovão caminhando pela ponte da Bifrost ao som de Immigrant Song do Led Zeppelin, enquanto solta raios para destruir o exército de Hela. Ao passo disso, têm-se a Valquíria, Hulk e Loki batalhando simultaneamente, havendo a cumulação de núcleos feita pelo diretor, optando por movimentos de travelling para elucidar o combate. Além disso, a fotografia aplica novamente o filtro épico utilizado no flashback das Valquírias em determinados trechos desse combate.

A culminação do Ragnarok se torna a conclusão ideal para o filme, cumprindo o estabelecido na fórmula Marvel ao derrotar a grande vilã Hela, com espaço para discursos nacionalistas dramáticos que ilustram o que torna Asgard, Asgard, além de pavimentar o caminho para o grande combate do universo compartilhado pelos heróis, mais conhecido como Guerra Infinita.

Portanto, apesar de haver erros de continuidade comuns a esse tipo de filme, o resultado final é bastante satisfatório pelo tipo de proposta apresentada, pois consegue cumpri-la com um bom trabalho. Contudo, fica a impressão de que se houvesse uma seriedade maior o resultado poderia ser melhor, apresentando outro tipo de narrativa, o que transformaria todas as decisões tomadas e entregaria outro tipo de longa.