Crítica |O Massacre da Serra Elétrica (The Texas Chain Saw Massacre) (1974)

Nota do Filme:

Uma das características mais exploradas do cinema é a tentativa constante de aproximar a arte do real. Não é à toa que centenas de obras de ficção tenham a sua inspiração primária em algum fato, acontecimento ou personagem marcante, que tenha conseguido destaque e notoriedade durante a sua época específica. Quando afunilamos o recorte apenas para o gênero cinematográfico do terror, notamos que a frase “inspirado em fatos reais” é um artifício muitas vezes utilizado para chamar a atenção das pessoas e para aumentar o apelo popular da história que será contada. Inclusive, existem exemplos de filmes que se utilizam desse recurso em suas campanhas de marketing para arrecadar cada vez mais espectadores para os cinemas. Foi o que aconteceu com o clássico The Blair Witch Project (A Bruxa de Blair) (1999), que usou uma lenda local como material fonte para a obra, e que foi vendido de forma a parecer um documentário que explorasse a existência verdadeira de uma bruxa na cidade de Blair, Maryland – EUA. A equipe de produção criou, inclusive, um site com reportes policiais e entrevistas falsas que corroboravam a veracidade do conto.


Algo que também é muito comum na indústria, é a inspiração de diversos filmes, com diferentes histórias e desenvolvimentos, em apenas um material fonte. Foi o que aconteceu com os clássicos do horror norte-americano Psycho (Psicose) (1960), The Texas Chainsaw Massacre (O Massacre da Serra Elétrica) (1974) e The Silence of the Lambs (O Silêncio dos Inocentes) (1991). Filmados em décadas diferentes e escritos utilizando abordagens completamente distintas, os três filmes usaram o caso do assassino Ed Gein como modelo para o personagem central. Preso no ano de 1957, Ed ficou conhecido como ladrão de lápides no estado do Wisconsin-EUA, além de ter o seu envolvimento confirmado no assassinato de duas pessoas e ser suspeito do desaparecimento de outras cinco. O método de suas mortes e o fato de fazer troféus com partes do corpo de suas vítimas foi o que lhe concedeu notoriedade em todo o país.

Grupo de amigos formado pelos atores Paul A. Partain, Allen Danziger, Teri McMinn, Marilyn Burns e William Vail

The Texas Chainsaw Massacre conta a história de um grupo de cinco amigos que viaja até o interior do Texas para passar alguns dias na casa abandonada da família de dois deles. No caminho, os jovens cruzam com um morador local (Edwin Neal) que lhes pede carona para chegar até o seu rancho, localizado próximo à estrada. Durante o percurso, o homem começa a demonstrar um comportamento estranho e altamente nocivo para os passageiros do carro, que prontamente o expulsam do veículo. Ao chegar na antiga residência de pedra, uma parte da turma decide explorar a região em busca de gasolina, enquanto o restante fica esperando no casarão abandonado. O que eles não sabem, é que a região abriga um psicopata que tem o costume de revirar túmulos, além de perseguir as suas vítimas com uma serra elétrica.

Dirigido pelo americano Tobe Hooper, que posteriormente faria ainda mais sucesso com Poltergeist (1982), a obra é considerada um dos maiores clássicos do subgênero slasher, que consiste em contar a história de um serial killer que persegue grupos de vítimas com o objetivo de utilizar meios sádicos e sangrentos para os seus assassinatos. Não é à toa que hoje, mais de 40 anos depois de seu lançamento, o filme continua sendo referência para dezenas de peças de entretenimento da cultura pop, como jogos de vídeo-game, livros e diversas sequências e reboots que tentaram, sem sucesso, recontar a história de Leatherface, um lunático que usa uma máscara de pele humana e decora a sua casa com partes do corpo de suas vítimas.

Gunnar Hansen como Leatherface

O filme envelheceu muito bem no quesito visual. A fotografia apresenta planos interessantes e criativos, com cortes dinâmicos e com perspectivas diferentes para as cenas de perseguição, além de planos abertos que certificam o isolamento e a solidão do lugar escolhido pelo grupo de amigos para passar o final de semana. No decorrer da história, primeiríssimos planos nos olhos e bocas das vítimas unidos a gritos desesperados e a sons estridentes e agudos, conseguem criar uma bela atmosfera de desespero e desconforto. O fato de ter apenas 83 minutos de duração e de não perder tempo e ir direto ao ponto na trama, torna a experiência de assistir ao filme algo um pouco menos aflitivo.

Porém, o roteiro escrito por Kim Henkel e pelo próprio Tobe Hooper deixa bastante a desejar. Desde o início da projeção, acompanhamos diversas referências visuais e narrativas óbvias, que ditam quais serão os destinos dos personagens dali para frente. O plano em que a câmera transita por um matadouro enquanto um dos jovens explica, com todos os detalhes, como é feito o abate dos indefesos animais, e a leitura de um horóscopo pessimista para os dias seguintes, são bons exemplos de um mau desenvolvimento narrativo da dupla. Como se não fosse o bastante, o clímax do terceiro ato envolve uma solução extremamente inesperada e improvável (deus-ex machina) para o desfecho da história.

Edwin Neal, Jim Siedow, John Dugan e Gunnar Hansen

Mesmo com problemas no roteiro, a obra apresenta outros pontos bastante positivos. Feito com um baixíssimo orçamento – aproximadamente 300.000 dólares – o filme surpreende pela riqueza de detalhes de suas locações principais e pela realidade de seus efeitos práticos. Em boa parte das cenas, sangue real, coletado em matadouros da região, foi utilizado para pintar as roupas das vítimas, além das paredes das salas pelas quais tentavam escapar freneticamente. Além disso, takes feitos com uma serra elétrica e um martelo reais preocuparam e assustaram os atores envolvidos no projeto. A maioria das reações do elenco são genuínas e conferem bastante realidade ao projeto, o que mascara a falta de experiência dos artistas escolhidos – quase todos participaram da produção de um filme pela primeira vez.

Apesar de algumas falhas, os demais quesitos técnicos e criativos fazem com que O Massacre da Serra Elétrica seja um filme obrigatório para todo o amante da sétima arte. Entender e apreciar como um filme tão simples e barato pôde fazer tanto sucesso e causar uma massiva influência décadas depois de seu lançamento é um dos pontos mais positivos e curiosos da experiência.