Crítica | O Telefone Preto (The Black Phone) [2022]

Nota do Filme:

A máxima do “menos é mais” vale tanto para o cinema quanto para outras diversas áreas da vida. Apostar no simples nem sempre significa apenas caminhar sobre território seguro, é preciso talento e criatividade para não recorrer a mil e um artifícios fáceis metidos a engana-trouxa. O Telefone Preto, por exemplo, é um filme sem firulas que se mantém firme numa boa história e consegue prender o espectador de maneira eficiente. Numa indústria como Hollywood, às voltas com a necessidade de sempre inventar as tramas mais mirabolantes, um filme como este é caso raro. E só não dá mais certo, porque, para surpresa geral, o tiro sai pela culatra.

Com estreia marcada, no Brasil, para esta quinta-feira (21/07), O Telefone Preto é baseado num conto do escritor Joe Hill, filho do famoso Stephen King, rei das histórias macabras. A adaptação é fiel e acerta em diversos quesitos, principalmente na, já mencionada, simplicidade do enredo. A grande questão é que, quando precisa de um borogodó extra, ele desanda no objetivo e cai na armadilha de ficar simples demais. Com potencial de criar uma história mais robusta, com profundidade, o filme se torna desnecessariamente raso, dolorosamente bom quando poderia ter sido grande.

A trama dá conta da história de Finney Shaw (Manson Thames), de 13 anos, que é sequestrado e mantido em cativeiro por um homem sádico conhecido como Sequestrador (Ethan Hawke). Uma vez dentro do porão, onde gritar parece inútil, Finney começa a receber ligações de um telefone desconectado preso à parede. Não demora muito até ele descobrir que as chamadas vêm de antigas vítimas do Sequestrador, todas determinadas a garantir que Finney não tenha o mesmo destino.

Manson Thames em cena do filme O Telefone Preto.

Este não é o primeiro filme de terror dirigido por Scott Derrickson. Em sua filmografia podemos encontrar títulos como A Entidade, Livrai-nos do Mal e o elogiado O Exorcismo de Emily Rose. O Telefone Preto certamente não dá medo igual estes últimos, mas tem lá seus sustinhos. Aqui, o que vale mais é a habilidade de Derrickson no desenvolvimento do suspense e da tensão, uma qualidade muito bem-vinda. O diretor consegue manter o espectador grudado na poltrona com facilidade ao concentrar a trama nas tentativas de Finney em se ver livre do Sequestrador e nos esforços de sua irmã (Madeleine McGraw) para tentar ajudá-lo através de sonhos reveladores.

É fácil se engajar com os protagonistas, ambos são muito carismáticos e entregam ótimos momentos. A primeira meia hora de filme se preocupa em mostrar a relação de amizade entre os irmãos e como eles lidam com os novos casos de sequestro que surgem na vizinhança, de modo que, quando se separam, torcemos para que voltem a ficar juntos. Tanto Manson Thames quanto Madeleine McGraw carregam grande parte do pulso narrativo, principalmente porque Finney e Gwen são muito inteligentes e perspicazes. É interessante como o longa conduz a narrativa através da visão das crianças e como ele as mostra como as reais donas da história.

Outro acerto de O Telefone Preto foi dosar bem seu lado sobrenatural – na medida para agradar tanto os fãs de tramas policiais clássicas quanto os que curtem umas viajadas. O elemento do telefone é bem-utilizado em cena, cada toque é uma expectativa diferente, principalmente porque não se sabe nada a respeito dele, nem quem pode ouvi-lo muito menos como funciona se não está conectado à eletricidade. Já os sonhos da irmã de Finney ajudam a dar um pouco do contexto por trás dos sequestros e quem os executa. Por esse motivo, Gwen acaba sempre um passo à frente dos policiais e o filme se sai bem transmitindo o perigo desta situação tão perigosa.

Manson Thames e Madeleine McGraw em cena do filme O Telefone Preto.

O grande trunfo de O Telefone Preto fica por conta dessa expectativa em torno das chamadas e tentativas de Finney em fugir do Sequestrador. Mas se, por um lado, a narrativa envolvente e bem-montada prende o público, por outro se torna frustrante quando decide deixar a história por isso mesmo. Num filme assim, uma dose de mistério é fundamental, mas faltam elementos que adicionem profundidade. O caso mais gritante é o do próprio Sequestrador, brilhantemente interpretado por Ethan Hawke, mas que perde muito do seu senso de ameaça quando o roteiro se isenta de desenvolvê-lo como um personagem complexo. Mesmo que sua fisicalidade garanta muita presença, ele não tem tempo suficiente em tela para compensar a falha.

Tanto a figura do antagonista (com as máscaras que mudam de acordo com seu humor) quanto o nome de Ethan Hawke são vendidos como os grandes destaques de O Telefone Preto, mas a expectativa não compensa. O personagem tinha potencial para ser memorável, mas é de Finney e Gwen de quem realmente lembramos. Tudo isso porque falta peso à narrativa, seja na figura do Sequestrador, nos dons sobrenaturais de Gwen ou até na relação problemática entre os irmãos e seu pai. Na teoria, “menos é mais” costuma ser uma máxima unânime, mas tem suas ressalvas. No caso de O Telefone Preto, que opta por segui-la à risca, temos um filme que acaba deixando muitas lacunas imprescindíveis para uma história robusta. Vale o ingresso, mas, se bater a preguiça, também vale esperar chegar aos streamings.