Crítica | Alguma Coisa Assim (2018)

Imagem: VITRINE FILMES / DIVULGAÇÃO

A vida é cheia de construções e demolições, assim como as diversas obras que já vimos (e até das quais já participamos) que ocorrem nas cidades, nos estabelecimentos que frequentamos e nas casas que moramos. As vezes elas ficam de pé, as vezes caem e assim seguimos cada um com nossa trajetória, buscando o que acreditamos ser o melhor.

O parágrafo acima diz respeito a algo físico, porém, as construções e demolições acontecem mais em termos psicológicos, nas relações, nas descobertas, nas palavras ditas ou não ditas, enfim, tudo aquilo que permeia o pessoal, o sentimento, o amor.

Em 2006, um curta metragem chamado “Alguma Coisa Assim”, contava a história de Caio (André Antunes) e Mari (Caroline Abras), dois jovens amigos, ele descobrindo mais sobre sua sexualidade, ela em busca de diversão, ambos fazem isso descendo a Rua Augusta (famosa rua da vida noturna em São Paulo), explorando as baladas, a música e tudo o que fez parte desse famoso endereço um dia.

Claramente tendo um sentimento um pelo outro, Caio e Mari nunca chegam a se envolver amorosamente, porém, está claro que existe a vontade, a tensão sexual entre os dois. Em 2018, “Alguma Coisa Assim,” se desenvolve, se atualiza e mostra como apesar da construção, nunca sabemos até qual momento a obra tão bem cimentada da relação dos dois amigos estará de pé.

Tanto o de 2006, quanto o de 2018, são dirigidos por Esmir Filho e Mariana Bastos. Aqui, os realizadores e roteiristas vão para Berlim, onde Mari trabalha atualmente numa corretora de imóveis, Caio vai para a cidade com o objetivo de terminar sua pesquisa sobre embriões, e assim vemos como as vidas deles mudaram.

E mudaram muito, porém, como pessoas em constante readaptação é possível notar a evolução deles por diversos aspectos do filme, não apenas pelas excelentes atuações do casal principal. Um deles são os diversos planos com obras de estabelecimentos acontecendo, não sabemos em nenhum momento se elas estão construídas ou demolidas, como se fossem diversos Gatos de Schrodinger em várias caixas diferentes.

Esses planos podem servir como um resumo da relação de Caio e Mari, em constante mudança, sem saber quais são essas mudanças e por isso a fala de Caio explicando a ela o Gato de Schrodinger (teoria de um físico que dizia que o comportamento dos átomos era ilógico, para isso, o exemplo dado foi o de um gato numa caixa, onde o gato poderia estar vivo ou morto), também serve de metáfora para relacionamento dos dois, não sabemos o que é relacionamento, não há um nome para aquilo.

Mas isso não é um problema, como a montagem (da ótima Caroline Leone, diretora de “Pela Janela”) prova, com os cortes e os planos, em sua maioria próximos dos personagens, na relação deles não há rótulos, não são necessários, o importante é que, independente do que acontecer é eles estarem juntos.

Por isso é que as cenas dos anos anteriores, 2006 e 2013 são importantes, pois ilustram como os dois não deixaram de ficar unidos. As atuações de André Antunes e Caroline Abras são soberbas ao construir personagens complexos, ao mesmo tempo em que sempre deixam algo em aberto, para que o público interprete e tenha sua própria leitura.

Essa interpretação não cabe apenas as relações dos dois, mas também a assuntos importantes da sociedade, como aborto, maternidade, LGBTQ+ e como os dois primeiros mudam a vida da mulher. A interpretação de Abras nesse aspecto também constrói pensamentos interessantes, levando a reflexão constante sobre os assuntos.

O som também é importante, a trilha sonora, predominantemente de música eletrônica, os cortes que ilustram as passagens de tempo ocorrem através das diferentes batidas – bela sacada da montagem, demonstrando elegância – e contextualiza tanto a vida noturna de Berlim e São Paulo – no caso de SP, trazendo até uma sensação de nostalgia – quanto o relacionamento sem rótulos dos dois, já que música eletrônica tem vários tipos e distribuições, mas, afinal, todas as músicas do gênero são eletrônicas, então os rótulos não importam.

“Alguma Coisa Assim” prova isso, os rótulos não importam, o essencial é estar junto de quem se ama, seja onde for, para tal sentimento, não é necessário ter nome, a única coisa necessária é sentir afeto, reciprocidade e amor, classificações criadas devido a padrões sociais não tem nenhum peso na empatia de um ser humano por outro.