Crítica | O Abutre (Nightcrawler) [2014]

Nota do Filme:

À deriva em uma violenta e sombria Los Angeles, onde mora sozinho em um pequeno apartamento, Louis Bloom (Jake Gyllenhaal) rega uma ambição que rapidamente floresce em uma obsessão. Aprendendo que as emissoras locais de televisão pagarão um bom dinheiro por vídeos de acidentes, incêndios e cenas de crimes frescas – quanto mais sangrentas, melhor – ele sai para tirar a sua fatia desta obscura parte do mercado de notícias. Com um scanner da polícia e uma câmera de vídeo barata ele acelera pelas ruas noturnas procurando a próxima barbárie a ser testemunhada com exclusividade.

Em outro sentido, Louis aspira a ser algo muito mais grandioso do que um fornecedor de imagens medonhas para os noticiários. Seu sonho – ou melhor, o sonho de Dan Gilroy, o escritor e diretor de O Abutre, e talvez também de Gyllenhaal – é se juntar às fileiras de Travis Bickle e Rupert Pupkin, clássicos sociopatas dos anos 70 e 80 criados das mentes de Martin Scorsese e Robert De Niro. Ambos exibiam um espelho sombrio, pouco lisonjeiro e infinitamente fascinante para a sociedade que os produzia. O Abutre é obsceno, cru e obcecado pela fissura e corrupção que Lou – apelido do personagem de Gyllenhaal –  descobre e representa. No começo de um novo dia, tudo passa a não importar tanto. No começo da próxima noite, o personagem central está ansioso para transformar seus esforços predatórios e insignificantes em matéria-prima para comentários sociais.

O longa é um thriller urbano modesto e efetivamente executado, fluído e divertido em seu modo denso particular e esgotado dentro do arquétipo do jornalista e o contraste ético. A discussão dentro dessa esfera profissional se torna diluída entre a informalidade com que Louis Bloom trabalha e a possibilidade de que todos somos abutres em potencial, mas um ganha dinheiro por segurar a câmera.

O desempenho de Gyllenhaal, embora não seja remotamente persuasivo para o papel moderado, é disciplinado e meticuloso em sua estranheza estabelecida pela clara sociopatia do personagem. Gilroy mantém o público desequilibrado, fascinado e repelido, meio que torcendo para que Lou tenha sucesso. Talvez para que prove o quão corrupto somos em nossa passividade, talvez para que nos recompense na próxima cena com mais um plano ousado para obter o melhor ângulo.

Gyllenhaal aproveita o papel com uma facilidade prolífica para todas as cenas. Ele é fortemente apoiado tanto por Nina (Rene Russo)  e pelo igualmente eficaz Rick (Riz Ahmed), sendo todo o elenco muito claramente voltado para esta própria tríade e seu desenvolvimento diante do acidental e do sangrento. Tarde demais, todos percebem que o jogo de filmagens noturnas se torna cada vez mais invasivo e violador, e que todos são tão complacentes com o conteúdo gráfico quanto a própria audiência da Cidade dos Anjos.

O curioso é quão implicados estamos em sua busca macabra e auto-engrandecedora. É um sentimento estranho querer que ninguém tão insensível prospere. Se ele não o fizesse, o filme pararia de funcionar – está montado e funcionando totalmente com sua adrenalina. Ele também grita o que tem a dizer, como um diretor de circo enlouquecido tentando provar a realidade em seu espetáculo de cortinas e sombras. Se por algum acaso alguém destacar destas sombras Louis Bloom, com certeza estará tendo o pior dia de sua vida, como afirma o próprio personagem.