Crítica | No Coração da Escuridão (First Reformed) [2018]

Nota do Filme :

No Coração da Escuridão acompanha o solitário Reverendo Ernst Toller (Ethan Hawke), responsável por uma pequena igreja histórica em Nova York, à véspera de seu 250º aniversário. Após um dia aparentemente normal, Mary (Amanda Seyfried), jovem paroquiana, pede que ajude o seu marido Michael (Philip Ettinger), ambientalista radical preocupado com o atual estado do planeta.

É de se surpreender que, em um ano marcado por grandes blockbuster de ação – Vingadores – Guerra Infinita, Missão Impossível – Efeito Fallout –, um dos grandes lançamentos do ano seja um filme tão contido quanto este. Paul Schrader, mais conhecido por seus trabalhos como roteirista, dos quais citam-se Taxi Driver – Motorista de Táxi e Touro Indomável, dirige e escreve o longa, e assim o faz com exímia competência, no que o resultado é um thriller intrigante e intenso.

No Coração da Escuridão se aproveita de sua simples premissa para, de maneira cuidadosa, imergir-se na psique de seu protagonista. Habituado a uma existência solitária, Toller se vê forçado a prestar auxílio a um futuro pai em dúvidas, sem perceber, contudo, que isso o levaria a um caminho extremamente perigoso.

Nesse sentido, é admirável a forma como tais pontos são introduzidos, com a devida calma e parcimônia. Isto porque o diretor é feliz em, desde o início, demonstrar a crise existencial do personagem. Ao mostrá-lo com seu diário, ainda em processos iniciais, o espectador percebe estar diante de um homem dividido, com dúvidas acerca de suas escolhas e, pior, assombrado pelo próprio passado, de modo que tem dificuldade em encontrar felicidade nos aspectos mais básicos de sua vida.

As premonições pessimistas de Michael o consomem e contaminam a sua mente, quase como veneno. Ou melhor, funcionam como se levantassem um véu diante de seus olhos e, assim, o antes pacato coordenador da pequena igreja se vê forçado a desafiá-la, por crer que esta se corrompeu.

Há, então, fortes comentários acerca de quais os limites que instituições que se dizem filantrópicas devem impor à si mesmas. Ao mesmo tempo, conta com uma observação da degradação ambiental de um ponto de vista religioso. Nesse sentido, seria válido aceitar dinheiro de corporações que, de maneira geral, prejudicam o planeta no longo prazo, por mais que tal quantia auxilie pessoas em necessidade? O quão conivente se pode ser em situações como essa, por melhores que possam ser suas intenções?

Assim, a audiência acompanha a queda do protagonista, que deverá decidir que caminho tomar: o pacifismo ou a violência. Ademais, trata-se de uma obra que jamais subestima a capacidade de sua audiência, pelo contrário, a desafia a interpretá-la à sua maneira, sobretudo no que diz respeito à sua conclusão.

O filme conta, ainda, com ótimas atuações. Ethan Hawke entrega uma performance permeada por nuances, provavelmente a melhor de sua carreira. É incrível a sutileza de sua interpretação, dando vida a um homem complementa sem esperanças. Ao mesmo tempo, a facilidade com que atrai empatia é impressionante. Infelizmente, contudo, o trabalho não foi reconhecido pelas principais premiações internacionais.

Quanto ao resto do elenco, ele mantém a qualidade que se espera. Cita-se, especificamente, Amanda Seyfried, que mesmo com pouco tempo de tela consegue transmitir complexas emoções ao espectador.

Sendo assim, não é um exagero afirmar que No Coração da Escuridão é um dos melhores filmes do ano de 2018 [1]. Com um roteiro sólido e uma direção precisa de Paul Schrader, aliado è uma performance digna de Oscar por parte de Ethan Hawke, o longa surpreendeu positivamente. Espera-se apenas que a falta de reconhecimento da temporada de premiações não faça com que caia no esquecimento.

[1] Apresentado pela primeira vez no Festival Internacional de Cinema de Veneza em 2017 e lançado no circuito comercial em 2018.