Crítica | Memórias de um Assassino (Salinui chueok) [2003]

Nota do Filme :

O suspense é bastante consolidado na história do cinema, com mestres da sétima arte consagrando o gênero em suas produções, como Alfred Hitchcock, influenciando uma gama de futuros diretores. Além disso, as ramificações que decorrem dessa espécie cinematográfica são amplamente difundidas, como os que dissecam investigações policiais ou, até mesmo, o terror psicológico.

“Em 1986, na Coreia do Sul, uma jovem mulher é encontrada morta, com marcas de tortura. Os detetives Park Doo-Man e Cho Yong-koo ficam responsáveis pelo caso, o segundo assassinato de uma mulher na cidade. Sem avançar na investigação, os dois não apresentam qualquer suspeita e terão de trabalhar com outro detetive, Seo Tae-Yoon, que está convencido de que é um caso de assassinatos em série. Quando uma terceira mulher é vítima do serial-killer, os detetives começam a encontrar pistas que os levarão até o assassino. ”

Bong Joon-ho é um dos nomes mais badalados do cinema sul-coreano atualmente tendo, inclusive, ganho a Palma de Ouro do Festival de Cannes com Parasite. Memórias de um Assassino, lançado ainda em 2003, o consolidou o diretor como um dos nomes a se observar no futuro.

Isso ocorre devida a inteligência do roteiro assinado pelo diretor e por Shim Sung-bo que, em seus 130 minutos, consegue apresentar uma gama de personagens, com maior destaque para os três protagonistas que são completamente opostos, desenvolver tramas secundárias que, inicialmente, aparentam estar deslocadas do assunto principal, porém são bem amarradas com a proposta que o texto pretende.

Com isso, enquanto há a narrativa principal da investigação do serial killer, ao redor dela se encontra o “contexto” da história, levantando questões como abuso policial, banalização da violência e tortura. O diretor trabalha muito bem com estes adereços pois, a partir deste ponto, cria as reações sentidas pela audiência, advindo disto a tensão, suspense, mistério e a apatia sobre isto tudo.

Para isso, Joon-ho entrega uma direção eletrizante, na qual a sua câmera está sempre em movimento, sabendo posicioná-la conforme muda a direção e pará-la quando necessita criar dramaticidade. Sendo assim, a edição que o longa adota corrobora o estilo do diretor, tanto para o que a narrativa pede como para criar a atmosfera de suspense.

No mais, essa aura misteriosa é ratificada pela fotografia que, em sua grande maioria, acinzenta o ambiente a fim de não deixar claro o que está acontecendo, intensificando a tensão presente na investigação. Ainda, utiliza tons de verde para demonstrar a corrupção do sistema policial face ao abuso que os agentes do Estado provocam nos suspeitos. Além disso, a fotografia é também utilizada como divisora entre os três protagonistas, colocando o detetive Seo como o profissional ilibado ao deixá-lo em um espaço mais claro que os outros dois investigadores.

Ademais, é necessário ressaltar a atuação dos personagens.  Song Kang-ho dá vida ao detetive Park e é, sem dúvidas, um dos principais elementos que carrega a trama, montando um personagem visivelmente folgado, porém preocupado em resolver o assassinato, além de demonstrar para a audiência toda a angústia que o envolve durante o mistério e em como ela o afeta ao chegar em becos sem saída, o instigando a fazer o que puder em nome da “lei”. Em seu contraponto há o personagem do detetive Seo, interpretado por Kim Sang-kyung, que é exatamente o oposto de Park, pelo menos inicialmente, demonstrando integridade, pragmatismo e afinco para solucionar o caso, não dando sinais de precisar apelar para o abuso de autoridade.

 Além disso, por mais que seja um dos primeiros filmes da carreira de Bong Joon-ho, pode-se falar que este é um dos seus longas mais ousados, visto que o diretor quebra algumas regras estabelecidas por ele, além da quarta parede, indiretamente, o que torna a obra como um todo mais genial.

Portanto, Memórias de um Assassino é um grande thriller policial que encanta pela sua visceralidade, mesmo que não seja mostrada explicitamente, além de fugir do padrão estabelecido por Hollywood no gênero, demonstrando originalidade, qualidade e profundidade, diferente da fórmula genérica fomentada pela indústria cinematográfica estadunidense.