Nota do Filme:
Uma nova e interessante geração de cineastas vem renovando e dando fôlego aos filmes de terror, tão maltratados nas últimas décadas. Entre eles podemos citar: Ari Aster (Hereditário e Midsommar), David Robert Mitchell (Corrente do Mal) e Robert Eggers (A Bruxa e O Farol). Ainda é cedo para cravar, mas a julgar por seu início – e, sobretudo, por suas intenções – o nome de Oz Perkins se apresenta como candidato a adentrar o clube.
A premissa de Maria e João – O Conto das Bruxas não foge à da clássica história criada pelos irmãos Grimm e que se popularizou como um dos mais famosos contos de fadas: famintos, desesperados e pressionados pela família, a dupla de irmãos (Sophia Lillis e Sammy Leakey) adentra a floresta em busca de alimento, encontrando uma abastada casa habitada por uma bruxa (Alice Krige) que deseja devorá-los. É a partir daí que o diretor Perkins (filho de Anthony Perkins, o eterno Norman Bates), auxiliado pelo roteiro de Rob Hayes, adiciona elementos à mitologia do conto, criando dessa maneira uma história inventiva e escancaradamente contemporânea.
Comprovando a certeira tese do cineasta francês Eric Rohmer de que “todo filme é também um documentário de sua época”, o longa opta por ancorar a narrativa em Maria, colocando-a em primeiro plano desde o próprio título da obra. Assim, ao inverter a ordem do tradicional nome da dupla – que de tão tradicional chega a causar certo estranhamento aos nossos ouvidos, já bastante acostumados a ouvir João vir primeiro – os realizadores demonstram estar cientes do contexto em que estão inseridos; contexto esse no qual histórias de protagonismo feminino se acumulam, diversificando assim não só a cultura, mas também a sociedade.
Visualmente deslumbrante, o filme possui inúmeros momentos que dão vontade de pausar a cena, imprimir e emoldurar o que aparece em tela. Méritos para o diretor de fotografia Galo Olivares, que utiliza muito bem sua câmera tanto ao explorar a floresta quanto em ambientes internos. A floresta, por sinal, surge graças ao trabalho de Olivares como uma personagem à parte e ameaçadora por si só, algo semelhante ao ocorrido no excepcional A Bruxa. Aliás, assim como no longa de Eggers, aqui o horror folk é uma nítida fonte de inspiração. Porém, se em A Bruxa o terror era sobretudo algo sugerido e implícito, em Maria e João não há espaço para maiores sutilezas gráficas.
O destaque do elenco, é claro, não poderia ser outro. Lillis, que já havia se revelado talentosa com seus trabalhos na duas partes de It, demonstra que, ao que tudo indica, possui uma frutífera carreira pela frente (inclusive é curioso notar como certos aspectos de sua Beverly Marsh ecoam em Maria, como o fardo de precisar assumir responsabilidades pesadas ainda criança), compondo uma protagonista firme e decidida, mas que não hesita em demonstrar medo e preocupação, sempre com olhares e gestos expressivos.
Já o trabalho de Perkins, embora ateste potencial, merece algumas ressalvas. Na maioria das vezes, suas escolhas estilísticas servem a propósitos narrativos específicos, como retratar os sentimentos e conflitos de Maria, não sendo, portanto, algo gratuito. No entanto, o cineasta – ainda em início de carreira – precisa tomar cuidado para não deixar que isso se torne um mero exibicionismo (o tipo de preciosismo, por exemplo, que parece ter tomado conta de Nicolas Winding Refn).
Embora não seja extraordinário e dificilmente se tornará um clássico do gênero (mesmo porque o longa perde muita força no terceiro ato), Maria e João merece pontos por se afastar do convencional que se tornou o Cinema de Horror nos últimos anos e buscar apresentar algo mais criativo e fértil. Mas considerando que este é apenas seu terceiro longa, vale monitorar seu desempenho nos próximos trabalhos e acompanhar sua evolução para, quem sabe, incluí-lo no eficiente grupo mencionado no início desse texto.
Historiador que acredita que a vida fica mais fácil quando vamos ao cinema.
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