Crítica | It: Capítulo Dois (It: Chapter Two) [2019]

Nota do filme:

“Tem início esta reunião do Clube dos Perdedores”

Richie Tozier

Em 2017, It: A Coisa, surpreendeu como um dos lançamentos mais interessantes do ano. Abusando da nostalgia dos anos 80 e se aproveitando de uma ótima geração de atores e atrizes mirins, o longa conseguiu cativar e atrair uma ampla audiência. Aos não familiarizados com a obra de Stephen King, ainda, uma grata surpresa: o capítulo dois era inevitável. Após a escalação das versões adultas dos personagens o hype ficou sedimentando. Sem polêmicas durante as gravações, a expectativa para um excelente filme cresceu, e, por mais que não atinja o nível de qualidade de seu antecessor, ao menos se despede dos fãs com encerramento e, mais importante, emoção.

27 anos após os acontecimentos do verão de 1989, o Clube dos Perdedores se vê forçado a voltar a Derry para matar Pennywise (Bill Skarsgård) de uma vez por todas. A despeito dos seus esforços no passado, o palhaço demoníaco continua vivo, e a promessa de um novo ciclo paira sobre a cidade, ameaçando todos os seus habitantes. Mike (Isaiah Mustafa), único dos sete a permanecer na cidade, afirma que juntos, e somente juntos, podem pôr um fim à questão.

Ritmo é um dos muitos fatores que envolvem um longa metragem. Uma das magias do cinema é, justamente, fazer com que o espectador mergulhe em uma obra fictícia e fique tão imerso que perca a noção do tempo, de modo que, antes que perceba, tenham se passado horas. Em sequências, então, há uma dificuldade intrínseca em manter o ritmo da narrativa coeso. Isto porque, por mais que já conte com um background narrativo, aprofundar uma história, não raramente, é mais difícil que iniciar uma nova.

Nesse sentido, justamente por se passar tanto tempo após os eventos originais, há muito a ser dito acerca de onde estão as personagens no momento, tanto física quanto emocionalmente. Os dias de verão em uma pequena cidade no interior de Maine certamente parecerão distantes àqueles que escolheram a vida em grandes metrópoles, como parece ser o caso do grupo, com exceção de Mike. Todavia, essa introdução é, infelizmente, rápida demais. Falta a devida contextualização para que possa ser abordado, afinal, como os traumas do ano de 1989 influenciaram as suas escolhas – os leitores do livro certamente irão se recordar de haver uma maior atenção a esses detalhes por parte de King. Entretanto, à audiência é dado apenas um pequeno indício do que fazem e com quem estão, antes deles serem rapidamente “devolvidos” à sua cidade natal.

Pior, uma vez que a influência dos acontecimentos passados são fatores determinantes para as escolhas do presente. A mitologia de It, e aqui não nos limitamos a algum filme específico, mas à saga em si, é pautada por ciclos que vão além do retorno de Pennywise. Os protagonistas se veem, também, em um ciclo diretamente influenciado pelo seu passado. No longa, o maior exemplo desse caráter cíclico reside em Beverly (Jessica Chastain) que, após anos vivendo sob os cuidados de um pai abusivo se vê, hoje, em um relacionamento “amoroso” com os mesmos defeitos. Eddie (James Ransone) tem uma abordagem semelhante ao mostrá-lo casado com uma mulher muito semelhante à sua mãe – como bastante explicitado no livro. A cena, porém, é rápida ao ponto de muitos espectadores sequer notarem que tanto sua mãe quanto sua esposa são interpretadas pela mesma atriz. É mais, porém, do que o resto do elenco teve. Falta desenvolvimento acerca do agora, uma razão maior para nós, como audiência, nos conectarmos ao Clube dos Perdedores de 2016, não de 1989.

Ao mesmo tempo, há uma dependência excessiva no uso de flashbacks. É quase como se os produtores desconfiassem da capacidade do espectador de se lembrar dos acontecimentos do filme anterior e, por isso, cenas deste devem ser replicadas por diversas vezes, o que acaba influenciando no tempo de duração da obra e quebrando o ritmo narrativo. No total temos 2h50min de duração, tempo esse que poderia ou ser reduzido ou, melhor, se dedicar mais ao presente, desde que houvesse maior parcimônia quanto ao passado.

Felizmente, a partir de determinado momento a narrativa encontra o seu lugar e, muito rapidamente, monopoliza a atenção da audiência e assim permanece até o seu encerramento. Destaca-se a ótima cena em um labirinto de espelhos, cenário esse extremamente favorável ao gênero e, é claro, as sequências envolvendo o palhaço, todas repletas de elementos típicos do terror que certamente serão apreciados pelos fãs.

No quesito atuação, destaca-se a performance de Bill Hader (Barry) e James McAvoy (Fragmentado), que no longa dão vida, respectivamente, a Richie Tozier e Bill Denbrough. Hader conta com um magnetismo natural que coaduna com a jornada de sua personagem no decorrer da história. Conhecido tipicamente por ser um ator cômico, entrega uma performance com nuances dramáticas que surpreenderá o espectador. Já o segundo tem uma atuação contida, mas cuja explicação está em perfeita harmonia com o arco por qual deve passar. Jessica Chastain (A Grande Aposta), talvez o nome mais badalado do novo elenco, é competente na sua interpretação de Beverly, mas sem um brilhantismo específico. O mesmo pode ser dito do resto do elenco masculino, composto por Isaiah Mustafa, Jay Ryan, James Ransone e Andy Bean, respectivamente Mike, Ben, Eddie e Stanley. Acerca específicamente de Bill Skarsgård, é válido destacar que conta com um menor tempo de tela, o que dificulta uma maior entrega.

Dessa forma, por mais que haja fatores negativos consideráveis – destaca-se, novamente, o tempo de duração excessivo –, It: Capítulo Dois nos dá uma conclusão satisfatória ao grupo de desajustados ao qual nos afeiçoamos alguns anos atrás. O fato de não alcançar a qualidade rara de seu antecessor talvez seja uma surpresa para alguns e certamente deixará uma sensação de “poderia ser melhor” em outros, mas não deve, em hipótese alguma, desencorajar aqueles tocados pela obra. Toda história merece um final e um juramento merece ser cumprido:

“Se a Coisa estiver viva…se um dia a Coisa voltar… nós voltaremos também.” 

Bill Denbrough