Crítica | Duas Rainhas (Mary: Queen of Scots) [2018]

Nota do Filme:

Filmes de época sempre são complicados de realizar, pois demandam certo rigor técnico para a ambientação, fazendo com que haja uma qualidade superior como pré-requisito. Mesmo que se consiga atender a essa condição anterior, há ainda outros fatores como precisão histórica, contexto e iluminação, pelos quais se eleva ou prejudica o longa conforme menos rigor for aplicado.

Com isso, Duas Rainhas (Mary: Queen of Scots) traz a história de Mary (Saoirse Ronan), que, ainda criança, foi prometida ao filho mais velho do rei Henrique II, Francis, e então levada para França. Mas logo Francis morre e Mary volta para a Escócia, na tentativa de derrubar sua prima Elizabeth I (Margot Robbie), a Rainha da Inglaterra.

Por conta dessa sinopse a audiência aguarda um grande conflito que o roteiro deixa clara a sua iminência conforme a narrativa vai avançando. Porém o resultado final acaba se tornando desastroso pela quantidade numerosa de personagens e tramas secundárias mal desenvolvidas, dando a entender que esse imenso núcleo só serve para aumentar a duração, o que deixa o longa bem maçante.

Contudo, o filme se inicia de forma didática ao denominar os lugares em que os personagens se encontram, conseguindo estabelecer o tom da narrativa, apenas inicialmente, e situar a audiência no período histórico vivenciado. E também são visíveis os pontos forte do enredo imediatamente: o figurino suntuoso com a maquiagem e os penteados. O aspecto desses dois elementos por si só é vistoso, causando o impacto visual necessário.

Simultaneamente a isso a fotografia tonaliza a relação de suas duas protagonistas, mesmo que inicialmente, ao aplicar tons mais sombreados através de velas para Mary, lembrando características de filmes noir, enquanto Elizabeth possui brilho de luz natural mais intenso, deixando clara a hierarquização que há entre elas.

Conforme mencionado anteriormente, a confusão do roteiro por conta do elenco inchado e tramas secundárias já se apresenta no início ao destacar centenas de personagens mal desenvolvidos, fazendo com que a audiência fique perdida ou desinteressada pelo enredo principal. Apesar disso, o roteiro consegue trabalhar certas nuances sobre empoderamento feminino sem transformar isso em algo que seja o foco da narrativa, conseguindo contextualizar de forma bastante plausível para a época, sem precisar se utilizar de ideias progressistas que não condizem com aquele período.

Todavia o próprio script apresenta mais falhas do que acertos, como em certos momentos ignorar a lógica e partir para a violência gráfica, não compensando e nem impactando para justificar isso. Além disso, os personagens secundários tomam decisões e se arrependem ou esquecem logo em seguida. Há ainda as cenas de sexo presentes na narrativa que possuem o intuito de retratar a intimidade daquele momento, porém não consegue atingir isso e se torna vazia, sendo desprovida de contexto e justificativa.

Ademais, apesar dos inúmeros personagens apresentados pelo roteiro, ele consegue desenvolver e aprofundar suas duas personagens principais em seus desejos e indiferenças, deixando clara a ambição das duas. Entretanto, a tensão que poderia haver entre as duas personagens e ser o fio condutor da narrativa é substituída por intrigas infantis, conspirações banais e relações vazias, protagonizadas por grande parte do elenco secundário.

Sendo assim, a atuação das duas protagonistas é o que segura o longa e o salva do completo esquecimento, ao trazer uma Saoirse Ronan madura, se provando novamente como uma das melhores atrizes de sua geração, ao encarnar uma rainha que demonstra claramente o que quer com palavras objetivas e olhares fulminantes, além de estabelecer os traços de uma personalidade que pode ser implacável ao mesmo tempo que pode ser benevolente. E, apesar de possuir menos tempo de tela, Margot Robbie impõe sua presença de forma intensa, fazendo que não passe despercebida e nem ofuscada.

E, infelizmente, a direção de Josie Rourke é feita de forma bastante comum ao não arriscar grandes movimentos ou ângulos ousados, ao contraste de Yorgos Lanthimos dentro do mesmo gênero e ano de lançamento, o que deixa o longa com um gosto mais amargo que o normal, porém sem comprometê-lo. Concomitante a isso, a trilha sonora é outra que não ousa sair do convencional ao utilizar elementos da música erudita da época, aplicando-os em uma orquestra.

No quesito da edição, ela consegue estabelecer inicialmente a dinâmica de transição entre os núcleos sem precisar colocar as duas personagens frente a frente. Contudo, conforme a narrativa avança, ela repete a mesma fórmula, se desgastando devida à grande quantidade de personagens mal desenvolvidos e subaproveitados. Além disso as passagens de tempo, realizadas com uma veloz edição, deixam o filme com uma sensação de correria, o que acaba o prejudicando ainda mais.

A fotografia tenta se afastar do convencional, porém não consegue, primeiramente, ao não aproveitar totalmente o formato widescreen em planos abertos. Porém quando aplica a iluminação através de velas, ela se torna mais vistosa em toda a projeção por conseguir executar o jogo de luz e sombra de forma bastante satisfatória.

Apesar disso o outro quesito técnico que deveria se destacar era a direção de arte, que consegue adequar o longa ao contexto histórico, porém sem grande destaque, se tornando algo comum.

Logo, em filmes de época deve-se haver um rigor maior para sua concepção, seja pela precisão histórica ou qualidade técnica, quando é mal executado se torna esquecível, e é o que parece que acontecerá com Mary, apesar de essa não ser a primeira vez que sua história é contada nas telas.