Crítica | Deslembro (2018)

Nota do filme:

“Como a gente tem certeza que ele morreu?”

Filha de Celso Afonso de Castro (militante político nos anos 60 e 70 no Brasil), a diretora Flávia Castro revela no documentário “Diário de uma Busca” (2010) a história do pai e da própria infância, no exílio. Em Deslembro, sua estreia na ficção, retoma o tema, ao contar a história de uma família exilada na época da ditadura militar no Brasil. A trama gira em torno de Joana (Jeanne Boudier), adolescente que, na infância, perdeu o pai, Eduardo (Jesuíta Barbosa), durante a repressão e teve que sair do país com a mãe, Ana (Sara Antunes), para morar na França. Com a anistia, a família, composta por mais dois irmãos – Leon (Hugo Abranches) e Paco (Arthur Raynaud) – e o padrasto, Luís (Julián Marras), está de volta ao Brasil. Joana não aceita a ideia de voltar a um lugar que mal conhece e do qual não guarda boas lembranças.

O regime militar brasileiro é o pano de fundo da história, o foco é em Joana e suas descobertas e recordações, mesmo que, por vezes, estas não se alinhem à realidade. Jeanne Boudier demonstra confiança e competência na pele da jovem contrariada, que passa por mudanças em diversos sentidos. Livros e músicas fazem parte da sua rotina. À medida que a trama avança, as revelações vêm à tona e preenchem o enredo. Ao alcançar memórias dormentes, a adolescente vai conhecendo mais o seu passado e é acometida por uma sensação de culpa. Esse sentimento, aliado ao cuidado com o irmão, às descobertas da idade e ao primeiro amor – Ernesto (vivido por Antônio Carrara) – forçam um amadurecimento antecipado da personagem principal.

A família conversa em três diferentes línguas (francês, português e espanhol), contudo, isso não traz dificuldades à comunicação convergindo, na realidade, para que eles se entendam bem, de modo peculiar. A ausência é o marco e a problemática familiar. Eliane Giardini, no papel de Lúcia, avó da protagonista, rouba a cena e tenta preencher o vazio deixado pelos pais da menina. A naturalidade de sua personagem e a facilidade como atua convencem como figura da época (destaque para a espontaneidade em que ela compartilha um cigarro com a neta). A interação entre elas rendem os melhores momentos, uma vez que ambas partilham sentimentos comuns, o que facilitou a aproximação.

A busca pela verdadeira história do pai, que foi dado como “desaparecido político”, mas nunca teve o corpo encontrado ou sequer a morte confirmada, é a razão das lembranças da adolescente virem à tona. O roteiro aponta na direção dessa busca pela verdade sobre a natureza da morte do pai, contudo, o assunto perde força e esmorece. É inegável que Flávia Castro possui profundo conhecimento sobre o regime político abordado, entretanto, ao focar na personagem de Joana, acaba por se perder nos anseios da personagem e entrega um filme com potencial, mas que deixa importantes temas apenas na superfície.

Cenas em lugares fechados ou planos curtos acompanham toda a obra, facilitando a ambientação, mas se nota que houve cuidado para criar uma atmosfera do período, o que contribuiu para a ótima escolha da trilha sonora. O enredo sugere um maior desenvolvimento das interações entre Joana e os personagens secundários, como a mãe e o irmão, mas jamais se desenvolve, motivo pelo qual essas relações acabam soando vazias, sem um desfecho oportuno. A direção é sensível e beira o poético em certas passagens, mas a narrativa é lenta, o que deixa o longa monótono, mesmo com apenas 96 minutos. Embora prenda a atenção e trate de um assunto antigo, mas de extrema importância para a atualidade, o ritmo moroso pode afastar alguns espectadores.

O filme estreia em 20 de junho nos cinemas.