Nota do filme:
“Como a gente tem certeza que ele morreu?”
Filha de Celso Afonso de Castro (militante político nos anos 60 e 70 no Brasil), a diretora Flávia Castro revela no documentário “Diário de uma Busca” (2010) a história do pai e da própria infância, no exílio. Em Deslembro, sua estreia na ficção, retoma o tema, ao contar a história de uma família exilada na época da ditadura militar no Brasil. A trama gira em torno de Joana (Jeanne Boudier), adolescente que, na infância, perdeu o pai, Eduardo (Jesuíta Barbosa), durante a repressão e teve que sair do país com a mãe, Ana (Sara Antunes), para morar na França. Com a anistia, a família, composta por mais dois irmãos – Leon (Hugo Abranches) e Paco (Arthur Raynaud) – e o padrasto, Luís (Julián Marras), está de volta ao Brasil. Joana não aceita a ideia de voltar a um lugar que mal conhece e do qual não guarda boas lembranças.
O regime militar brasileiro é o pano de fundo da história, o foco é em Joana e suas descobertas e recordações, mesmo que, por vezes, estas não se alinhem à realidade. Jeanne Boudier demonstra confiança e competência na pele da jovem contrariada, que passa por mudanças em diversos sentidos. Livros e músicas fazem parte da sua rotina. À medida que a trama avança, as revelações vêm à tona e preenchem o enredo. Ao alcançar memórias dormentes, a adolescente vai conhecendo mais o seu passado e é acometida por uma sensação de culpa. Esse sentimento, aliado ao cuidado com o irmão, às descobertas da idade e ao primeiro amor – Ernesto (vivido por Antônio Carrara) – forçam um amadurecimento antecipado da personagem principal.
A família conversa em três diferentes línguas (francês, português e espanhol), contudo, isso não traz dificuldades à comunicação convergindo, na realidade, para que eles se entendam bem, de modo peculiar. A ausência é o marco e a problemática familiar. Eliane Giardini, no papel de Lúcia, avó da protagonista, rouba a cena e tenta preencher o vazio deixado pelos pais da menina. A naturalidade de sua personagem e a facilidade como atua convencem como figura da época (destaque para a espontaneidade em que ela compartilha um cigarro com a neta). A interação entre elas rendem os melhores momentos, uma vez que ambas partilham sentimentos comuns, o que facilitou a aproximação.
A busca pela verdadeira história do pai, que foi dado como “desaparecido político”, mas nunca teve o corpo encontrado ou sequer a morte confirmada, é a razão das lembranças da adolescente virem à tona. O roteiro aponta na direção dessa busca pela verdade sobre a natureza da morte do pai, contudo, o assunto perde força e esmorece. É inegável que Flávia Castro possui profundo conhecimento sobre o regime político abordado, entretanto, ao focar na personagem de Joana, acaba por se perder nos anseios da personagem e entrega um filme com potencial, mas que deixa importantes temas apenas na superfície.
Cenas em lugares fechados ou planos curtos acompanham toda a obra, facilitando a ambientação, mas se nota que houve cuidado para criar uma atmosfera do período, o que contribuiu para a ótima escolha da trilha sonora. O enredo sugere um maior desenvolvimento das interações entre Joana e os personagens secundários, como a mãe e o irmão, mas jamais se desenvolve, motivo pelo qual essas relações acabam soando vazias, sem um desfecho oportuno. A direção é sensível e beira o poético em certas passagens, mas a narrativa é lenta, o que deixa o longa monótono, mesmo com apenas 96 minutos. Embora prenda a atenção e trate de um assunto antigo, mas de extrema importância para a atualidade, o ritmo moroso pode afastar alguns espectadores.
O filme estreia em 20 de junho nos cinemas.
Apaixonada por filmes e séries, queria transformar o mundo em um lugar melhor, deitada na minha cama, ligada na TV.
“Sou só uma garota ferrada procurando pela minha paz de espírito.” Kruczynski, Clementine (Brilho Eterno de uma Mente Sem Lembranças).