Crítica | De Canção em Canção (Song to Song) [2017]

Terrence Malick é uma figura excêntrica. Não gosta de aparecer em público. Não gosta de dar entrevistas. No trabalho, possui uma assinatura ímpar, que divide opiniões – tanto do público quanto da crítica. Há quem ame seus filmes. Há quem odeie. Dentre os títulos do currículo, o mais controverso é certamente o enigmático A Árvore da Vida (2011).  De lá pra cá, lançou mais três obras de ficção: Amor Pleno (2011), O Cavaleiro de Copas (2015) e o recente De Canção em Canção (2017) – que repete a fórmula de seus últimos trabalhos, porém sendo um pouco mais refinado.

O glamour do novo longa começa pelo elenco: o queridinho de Hollywood Ryan Gosling, o consistente Michael Fassbender e a adorável Rooney Mara, além de Cate Blanchett e Natalie Portman, que dispensam comentários. Fora esse time, também há participações especiais de músicos famosos, como o baixista Flea e cantor Iggy Pop.

Desta vez, Malick explora um triângulo amoroso envolvendo pessoas relacionadas à música. Cook (Fassbender) é um produtor bem sucedido da indústria fonográfica que adora dar festas. Em uma delas, B.V (Gosling), como é chamado, conhece Faye (Mara). A partir daí, os três iniciam relações sociais e profissionais, implicando em uma série de alianças e desavenças ao longo da estória.

Os três personagens principais são explorados e cada um possui uma linha de narrativa própria, que vão se cruzando e se distanciando ao longo de mais de duas horas de filme. Apesar da autonomia, a personagem de Rooney Mara é quem mais ganha destaque, devido aos seus pensamentos que ecoam através de uma narração em off, mesmo em cenas onde ela está ausente. Nessa escolha, a obra pontua positivamente, pois Faye é a persona mais humana e, por consequência, a que mais conseguimos nos identificar. Como ela mesmo diz em uma frase, está sempre “buscando a chama da vida”, independente das consequências de suas escolhas.  Quando quer se sentir amada, fica ao lado do personagem de Gosling. Quando quer ser desejada sexualmente, vai atrás de Cook. Muitas vezes, mesmo arrependida de certos atos, volta a repeti-los por impulso ou insegurança.

A jornada de B.V (Gosling) é a mais sonolenta das três – tanto atuação quanto background. Não sabemos o que sentir pelo personagem, ou talvez não há mesmo o que sentir. É o mesmo Ryan de sempre. E sua trajetória é a menos importante dentro da trindade narrativa. Sua existência só serve para dar mais base ao arco de Faye.

Já Cook (Fassbender) segue um caminho interessante, embora se assemelhe muito ao protagonista de O Cavaleiro de Copas (outro trabalho de Malick, como já mencionado). É ele quem insere a personagem de Natalie Portman na trama, inclusive dando certo espaço para a mesma no segundo e terceiro ato. E como ela bem define, Cook é o tipo de pessoa que vê o mundo como “uma grande loja de doces”. Ele trata os indivíduos como tapeçarias que comprou para sua sala de estar. Quando se cansa delas, descarta com frieza. Adora gastar dinheiro com experiências exóticas e enfeites luxuosos, tentando preencher o vazio de sua vida, que reflete na mansão do personagem – pois apesar de ter vastos cômodos, muitos deles quase não possuem objetos. Cook é o rei solitário de um castelo de ar. O desfecho de seu arco individual é o mais dramático, condizendo com suas escolhas.

A direção e a montagem continuam seguindo o estilo do cineasta, algo que já desagrada muitos espectadores. Afinal, o uso quase exclusivo de câmeras de mão e as sequências fragmentadas de cenas podem incomodar quem está muito acostumado com o cinema mais tradicional. Entretanto a técnica de Malick também acerta. Certos enquadramentos reforçam o storytelling, como no plano onde Cook observa, através do vidro, Faye mergulhando na piscina, ilustrando o modo como ele a vê: apenas mais um peixe em seu aquário gigante e privado.

A fotografia, novamente executada pelo mexicano Emmanuel Lubezki, continua sendo uma atração à parte. O uso de cores frias é constantemente evocado para ditar o clima das cenas. Há certo apelo às luzes coloridas durante à noite, dando a entender que os atores sempre estão em um festival de música, independente do ânimo. A profundidade de campo também cumpre um papel notável, quando em mais de um momento o primeiro e o segundo plano trabalham juntos em único enquadramento da lente.

O maior problema da obra continua sendo o mesmo problema da maioria dos filmes do diretor: ser longo demais. Neste caso, cerca de 30 minutos de filme poderiam ser cortados sem qualquer dano à estória. Há diversos planos que nada tem a dizer, como uma pintura desconhecida que surge durante breves segundos ou a visão do teto solar de um carro em movimento. Há muita exibição gratuita. É um exagero que tornou-se vício. Isso inclusive reforça os argumentos de quem chama Terrence Malick de cineasta pretensioso.

De Canção em Canção não é um filme para qualquer um. A marca contemplativa e transcendental do cineasta continuam presentes em mais um produto, que desta vez faz uma analogia entre as relações e as canções, ambas muitas vezes efêmeras e esquecíveis. Contudo, quem é fã do diretor deve gostar, pois a fórmula continua (embora esteja perto de se esgotar).