Crítica | Boas Intenções (Les bonnes intentions) [2018]

Nota do Filme:

Com o perdão do trocadilho, de boas intenções filmes ruins estão cheios, e infelizmente o mais novo trabalho do diretor Gilles Legrand (que assina o roteiro ao lado de Léonore Confino) integra esse time de desastres. A obra mira na comédia, na leveza e em boas ações, mas acaba acertando na condescendência, no desconforto e no absurdo.   

Preocupada excessivamente com questões sociais, Isabelle (Agnès Jaoui) atua como professora de alfabetização em um centro de serviço social para imigrantes, em Paris. Se sentindo ameaçada com a chegada de uma nova colega de trabalho (Claire Sermonne) e vendo sua família se considerando negligenciada (já se nota o velho clichê da mulher-preocupada-com-a-vida-profissional-que-não-passa-muito-tempo-com-a-família), ela vê sua rotina sacudida e suas certezas questionadas em diferentes níveis.

O primeiro erro que salta aos olhos é a constatação de que a protagonista está mais interessada em fazer o que faz apenas para se sentir bem e inflar seu ego do que de fato ajudar quem está ao seu redor. O que não seria um problema caso isso fosse utilizado para evidenciar determinadas contradições, mas não é o que acontece. Pelo contrário: o longa trata o que ela faz como heroico.

A verdade é que Isabelle não é uma pessoa má, mas tampouco é alguém cujas atitudes são louváveis ou dignas de admiração. Assim, quando uma imigrante marfinense desabafa ou quando a jovem Zoé perde a paciência no shopping, se torna impossível não lhes dar razão. As palavras ditas por ambas, por mais duras que sejam, são justificadas e deveriam servir como um choque de realidade para que ela percebesse o que há de errado consigo mesma. O problema é que o filme não reconhece isso, utilizando esses momentos na esperança de que o espectador se compadeça de sua situação. Isso faz com que a personagem de Jaoui ouça inúmeras verdades, porém seja incapaz de absorvê-las em um gesto de autocrítica.

Idem para seu trabalho: é mais do que evidente que Isabelle não possui habilidade – nem sequer qualificação – para ser professora, não possuindo didática, metodologia ou mesmo paciência. Mas seu egocentrismo não vê nenhum problema nisso, e, assim, a alfabetização de imigrantes é posta em risco apenas para que ela possa contar, em jantares de família, que realiza uma atividade humanitária. Com uma protagonista tão problemática em termos de roteiro e composição, fica difícil criar uma ponte de entrada com aquele universo, o que o compromete seriamente.

Já o elenco de apoio também não contribui para despertar simpatia. Repleto de estereótipos e caricaturas grosseiras, os alunos compõem um bloco unidimensional e irritante, pouco ou nada fazendo para deixar a trama agradável. Em determinados momentos parece que estamos assistindo a um episódio de A Escolinha do Professor Raimundo, tamanho é o caos. O único personagem dotado de alguma complexidade é o marido interpretado por Tim Seyfi (embora sua insistência em revirar os olhos para reforçar os momentos de comédia seja cansativa). Um dos poucos – se não for o único – aspectos em que o filme acerta é no design de produção, especialmente no contraste criado entre a casa de Isabelle, quente e acolhedora, e a sala de aula, fria e impessoal.

Para completar o pacote, quando querem fazer comentários sociais, os roteiristas também pisam na bola. Por exemplo: na cena em que diversos personagens estão “competindo” para ver quem está fazendo a boa ação mais louvável, a situação não é empregada para expor o egoísmo e a crueldade daquelas pessoas, mas serve apenas como recurso cômico. Da mesma forma, a exposição de pequenos preconceitos embutidos em falas aparentemente inocentes (algo feito de maneira brilhante em Que Horas Ela Volta? e Uma Mulher Fantástica) é seguida de diálogos expositivos que os denunciam, o que tira toda a sutileza.

Finalmente, o desfecho e os momentos “redentores” são artificiais. Centrado em uma figura que insiste em ser o centro das atenções em ceias de natal e até mesmo em funerais, As Boas Intenções consegue algo praticamente impossível: deixar o espectador irritado em uma história que não possui vilões e é habitada por pessoas essencialmente boas. O que diz muito sobre o tamanho da falha.