Crítica | Animais Fantásticos: Os Segredos de Dumbledore (Fantastic Beasts: The Secrets of Dumbledore) [2022]

Nota do Filme:

“Engraçado como dias históricos parecem comuns quando os vivemos.”

Alvo Dumbledore

Animais Fantásticos: Os Segredos de Dumbledore acompanha Dumbledore (Jude Law) que, impossibilitado de confrontar Gellert Grindelwald (Mads Mikkelsen) diretamente e impedir sua ascensão, deve confiar missões importantes a Newt Scamander (Eddie Redmayne) e seus colegas. Todavia, talvez o poderoso bruxo das trevas seja demais para eles lidarem sozinhos.

Em que pese o sucesso da sua franquia originária, Harry Potter, é justo dizer que Animais Fantásticos ainda não “decolou” como, acredita-se, fosse a intenção da Warner Bros. Pictures. Após um início competente, mas pouco inspirador, a sua sequência, Os Crimes de Grindelwald, encontrou um público muito pouco receptivo às incontáveis inconsistências que, infelizmente, permanecem.

Primeiramente, é justo dizer que a tarefa de Os Segredos de Dumbledore era, francamente, impossível. Corrigir o curso da história após o grande desastre do seu antecessor faz com que tenha que gastar muito tempo desconstruindo premissas anteriores e estabelecendo novas, o que, por vezes, significa simplesmente ignorar qualquer desenvolvimento dos personagens envolvidos.

Nessa seara, não saber lidar com momentos grandiosos e lhes dar as devidas consequências parece correr no sangue da franquia, afinal, se a perda de memória de Jacob Kowalski (Dan Fogler), que era para ser um dos pontos dramáticos de Animais Fantásticos e Onde Habitam, foi absolutamente ignorada em Os Crimes de Grindelwald, o mesmo se pode dizer sobre quaisquer avanços para Queenie Goldstein (Alison Sudol) e Credence Barebone (Ezra Miller), ambos completamente apagados deste filme, aparecendo em cenas raras e desconexas, que nada acrescentam à trama. Sequer há vontade de se comentar o absoluto esquecimento de Tina Goldstein (Katherine Waterston), o qual pode, muito bem, ter a ver com questões de bastidores.

Por se tratarem de pontos que, francamente, eram pouco interessantes para começo de conversa – Nagini (Claudia Kim) nem ao menos é mencionada –, certo é que essa “ignorada” do roteiro poderia ser útil à narrativa, todavia, nem ao menos é possível se dizer o que ela seria. O script anda em círculos e jamais mostra a que veio.

Afinal, quais são os segredos de Dumbledore? Se for a sua paixão por Grindelwald – outro ponto, diga-se de passagem, que precisou ser expresso rapidamente para “corrigir” problemas de seu antecessor, o que, a bem da verdade, nada corrige, uma vez que o conflito entre os personagens deixou de ser algo sentimental para se tornar um obstáculo a ser superado por meio da destruição do artefato no qual está o seu pacto de sangue –, o título é respondido, literalmente, na primeira cena. Outrossim, é um tanto quanto constrangedor o quanto o texto tem que se dobrar à necessidade de incluir diferentes animais fantásticos como pontos chaves da trama de modo a justificar o próprio nome – as problemáticas envolvendo a utilização do qilin são nada menos que gritantes e geram incoerência com a própria película.

Nesse sentido, não há nada de errado em se buscar expandir o mundo da história, entretanto, quando esta é a única função do longa, é como se ele girasse em círculos. Para piorar, a constante transição entre diferentes locações, que deveria servir para transmitir essa expansão de maneira audiovisual, é absolutamente indiferente, pois todos os cenários são incrivelmente semelhantes – para não se dizer iguais. Via de regra as cenas se passam à noite ou são tão escuras que poderiam, facilmente, ser à noite – destaca-se, aqui, o quão sem vida e inspiração são as cores do filme, que contribuem para esse sentimento –, em lugares genéricos e sem vida, normalmente acompanhados de neve. Londres, Berlim, Nova York e até mesmo os Himalaias são, virtualmente, iguais, de modo que a viagem entre eles não serve a qualquer propósito.

Tudo isso é intensificado por uma das direções mais impessoais dos últimos anos. O trabalho de David Yates nunca foi ponto incontroverso nos longas, que alcançou o seu ápice diretorial com Alfonso Cuarón em O Prisioneiro de Azkaban, contudo, aqui, mostra-se tão automática e “morta” que mais parece ter sido realizada por um robô. A falta de sentimento salta da tela e é impossível à audiência não perceber a sua apatia.

Quando, porém, não há a expansão desgovernada do universo no qual a história está inserida, há a total desconsideração com elementos previamente estabelecidos não apenas em seus antecessores mas, também, em sua franquia originária. Isto porque, em que pese Harry Potter não ser muito rígido com o seu sistema de magia, havia ao menos balizas para isso, em especial a necessidade de varinhas para os feitiços. Por vezes, é claro, isso era ignorado por motivos cinematográficos – como o foram, totalmente, a necessidade da pronúncia de feitiços –, mas sempre de maneira pontual. O que se vê em Os Segredos de Dumbledore é a total cisão com essa lógica, de modo que o espectador perde qualquer senso de concretude na lógica interna da narrativa.

O próprio modo de funcionamento do pacto de sangue realizado jamais é explicado. Dumbledore diz que o mero pensamento de desafiar Grindelwald acarretaria consequências – no silêncio da história, presume-se a sua morte. Entretanto, ainda assim é possível ao personagem concatenar planos complexos para frustar o adversário. Afinal, em que isso se difere de um desafio? Seria apenas um embate físico, não mental? Algo direto? À audiência jamais é explicado.

Há muito mais que se pode dizer em desfavor do filme, mencionando-se, apenas rapidamente, a importância dada à linhagem Dumbledore que surgiu no antecessor, basicamente, de lugar nenhum, ou até mesmo a simplicidade com que certos conflitos são solucionados. Contudo, restando tão evidentes os problemas de roteiro, direção e montagem, parece injusto continuar a desconstrução, até mesmo para evitar possíveis spoilers.

De toda forma, é justo mencionar que todos os atores envolvidos são extremamente competentes, apenas lhes é dado pouco com o quê trabalhar. Em especial, cita-se Mads Mikkelsen como uma ótima substituição, dando mais vida ao Grindelwald genérico de Johnny Depp – o que se fala ignorando qualquer fator extracampo, diga-se de passagem.

A bem da verdade, Animais Fantásticos e Onde Habitam foi um tiro no escuro que, com o seu sucessor, aniquilou qualquer possibilidade de sucesso da franquia. Os Segredos de Dumbledore, portanto, apenas confirma esse entendimento. A maior tristeza para os fãs, porém, é que ninguém parece se importar.