Crítica | A Família Mitchell e a Revolta das Máquinas (The Mitchells vs The Machines) [2021]

Nota do Filme:

Não é fácil para um estúdio conseguir desbancar Pixar e Disney quando o assunto é animação, mas a Sony fez isso com uma folga gigante com o espetacular Homem-Aranha no Aranhaverso (2018). O melhor longa de animação daquele ano, além de uma história muito boa, esbanjava personalidade através de uma linguagem visual própria, com cores fortes e uma psicodelia muito bem-vinda para o universo do herói. O filme foi o ponto alto do estúdio desde que ele começou, mais de 15 anos atrás, e agora, em 2021, A Família Mitchell e a Revolta das Máquinas, lançado recentemente pela Netflix, parece ser mais um exemplo dessa nova onda de animações criativas e impecáveis da Sony.

Herdando os mesmos produtores do Aranhaverso, o que mais impressiona em A Família Mitchell é, de longe, a animação em si, cheia de texturas, cores e detalhes muito ricos. Misturando traços em 3D com diversos elementos em 2D, o filme brinca o tempo todo com uma extravagância colorida e apelativa, mas no melhor sentido da palavra. Toda essa descontração ágil e, ao mesmo tempo, muito perspicaz termina fazendo com que A Família Mitchell cative não só crianças como também os adultos mais desavisados, provando com muita elegância que a melhor das mensagens, ainda que envolta num universo aparentemente bobo e infantil, pode ter a mesma dose de importância se for trabalhada do jeito certo.

No longa, somos apresentados aos quatro Mitchells (Rick, o pai; Linda, a mãe; Katie, a filha mais velha; e Aaron, o filho mais novo), que juntos formam um clã bastante disfuncional. Eles não são exatamente a família mais unida do mundo, porém Rick acha que pode reparar isso ao propor que eles viajem de carro juntos para levar Katie até a Califórnia, onde ela vai cursar cinema como sempre quis. Acontece que, no meio do caminho, eles se deparam com uma revolução de máquinas iniciada por uma inteligência artificial que foi humilhantemente esnobada e descartada cedo demais.

É interessante observar como essa revolução é só o fio condutor que desenvolve as camadas mais internas da história, aquelas onde realmente estão as mensagens que o filme quer passar. Existe aqui um embate muito moderno e comum entre o velho e o novo, representado por Rick e Katie. Enquanto ela cresce e se torna adepta de um mundo quase que 100% digital, ele continua apegado a uma realidade que precisou abandonar em prol de sua família, mas da qual sente muita falta. O confronto de gerações e visões de mundo divergentes é muito rica e fácil de se identificar e mesmo que o filme use e abuse de referências à linguagem tecnológica que ele também critica, fica bastante clara sua mensagem de incentivo ao equilíbrio entre telas e momentos off-line de qualidade.

Fazendo um excelente trabalho ao driblar os clichês mais comuns (pelo menos na maior parte do tempo), A Família Mitchell consegue falar sobre a importância dos laços familiares de um jeito orgânico e eficiente. O roteiro é muito feliz ao explorar a sensibilidade de sua temática, porém sempre evitando um apelo desnecessário. Isso porque, toda vez que o filme ameaça cair no piegas, ele dá um jeito de empurrar algum tipo de sarcasmo para aliviar o clima e o resultado é bem gostoso de assistir. Levando em conta que os diretores são ex-roteiristas da série animada Gravity Falls (2012 – 2014), não é surpresa ver na tela uma confusão altamente divertida de piadas ácidas e sarcásticas, tanto nos diálogos quanto no visual do filme.

Some isso a diversas referências cinéfilas como Matrix (1999), Despertar dos Mortos (1978), Eu, Robô (2004) e Mad Max (1979/2015) e temos um longa que não só tem algo a dizer como também sabe como fazê-lo. De um modo bastante inesperado, A Família Mitchell e a Revolta das Máquinas é sensível, atual e divertido em todos os sentidos. Suas cores fortes, animações em 2D que pulam na tela e humor non-sense podem não ser os elementos mais tradicionais quando imaginamos uma história sobre o quão é importante respeitar a visão de outra pessoa, principalmente quando se trata de família. Mas é justamente por fugir dessas regras e inovar que ele consegue passar sua mensagem de uma forma tão eficiente. Com muita criatividade e bom-humor, ele é uma boa lembrança de que, nem no universo das animações, é preciso ser sério para falar bem sobre coisas sérias.