Crítica | A Esposa (The Wife) [2017]

Nota do Filme:

Muitas vezes alguns filmes que são apresentados em festivais pelo mundo afora tem a sua estreia reservada para um momento futuro, podendo ser o ano seguinte, afim de concorrer a premiações para celebrizar os responsáveis que realizaram o longa, almejando um lugar de destaque no panteão de filmes consagrados, como, além do abordado no texto em questão, Você Nunca Esteve Realmente Aqui (You Were Never Really Here), longa de 2017 dirigido por Lynne Ramsay que foi lançado comercialmente em 2018.

Como opção dos produtores de preservar o filme para o ano em seguinte, A Esposa passou pela mesma situação visando o reconhecimento justo da Academia para Glenn Close, uma das atrizes inesgotáveis em atividade, consagrada em diversos clássicos como O Mundo Segundo Garp (The World According to Garp), e o resultado não poderia ser mais positivo.

Tendo um roteiro redondo, com direito a reviravoltas inesperadas, que conseguem subverter as expectativas da audiência, há o desenvolvimento da narrativa feito de forma exuberante ao definir muito bem a personalidade de cada personagem, as relações entre eles e o objeto de conflito que criará a tensão, sendo que ainda exige do elenco a atuação necessária para realizá-lo, fazendo-o ser ovacionado por conta das performances fortes, porém de forma contida, apesar de haver diálogos que exigem vociferações por conta da discussão, sem transformar isso em um espetáculo de gritos.

Além disso, ele estabelece duas linhas temporais narrativas que se intercalam, conseguindo abordar temas como o sexismo na carreira de forma precisa, sem cair em pieguismo. E para atingir a potência máxima do roteiro, é necessário um trabalho de direção preciso, que é executado com maestria por Björn Runge.

A direção do longa é feita de forma fluída, porém densa, na qual o diretor opta por uma câmera móvel para definir muito bem a posição de cada personagem. Por exemplo, a câmera, quando foca o personagem interpretado por Jonathan Pryce, é atraída para perto dele, dando a entender que ele é o centro criativo do objeto de conflito que o roteiro aborda, ou, quando a imagem opta por fixar o olhar na personagem de Glenn Close, isolando-a do restante do entorno, focando apenas em sua reação ao ambiente.

Aliada a isso deve-se ressaltar a fotografia, composta predominantemente por cores mais frias, em especial o azul, demonstrando a distância entre o casal e ilustrando os problemas da relação entre pai e filho. Porém, a fotografia toma contornos mais quentes, utilizando para isso o amarelo e levemente o vermelho, nas situações em que o casal está longe um do outro, além de, na outra linha temporal, em que é mostrado o passado dos dois, possuir a mesma vivacidade das cores, ilustrando como os dois eram mais felizes antes de ocorrer a explosão do remorso pelo objeto de conflito.

E fazendo contraste a fotografia, o figurino expõe conjuntamente o sentimento dos personagens ao dar roupas de cores mais quentes para a personagem de Glenn Close, como um casaco vermelho, e oferecendo roupas na tonalidade de azul-escuro ou outra cor mais fria, porém forte, para o personagem de Jonathan Pryce, sendo inclusive mostrado isso já na outra linha temporal.

Para todos esses elementos funcionarem é necessário haver o trabalho competente da edição, que realizada de forma precisa ao utilizar o recurso de flashback como se a personagem de Glenn Close estivesse refletindo sobre esses momentos, conforme o roteiro avança, além de estabelecer rimas visuais no instante em que se retorna para a linha temporal principal. E nela não há grandes problemas, pois consegue ditar o ritmo desde o primeiro ao último corte, sem grandes divergências e sem ocasionar grandes confusões na parcela mais desatenta da audiência.

Contudo, a trilha sonora, que deveria intensificar ainda mais esse clima gélido que paira sobre a narrativa, consegue fazer isso utilizando-se de violinos, pianos, violoncelos, criando um ritmo melancólico e soturno de qualidade, porém é utilizada por apenas poucos segundos quando surge, passando a impressão de que faltou algo para as determinadas cenas atingirem seu ápice.

Apesar disso, o ponto forte do filme é, de longe, as atuações do elenco, principalmente o casal. Glenn Close encarna a mulher que se forçou a submissão profissional por conta da falta de perspectiva na carreira, porém sempre autoafirmando-se de que ela é mais do que isso, conseguindo demonstrar todo o ressentimento que adquiriu durante a vida para com o seu marido em poucos olhares, ou palavras ríspidas, se entregando com gana nas cenas que exigem as vociferações, apesar de sua atuação ser composta mais pelo sarcasmo e o não dito.

Contraponto a ela há o personagem de Jonathan Pryce, sendo construído como um grande narcisista que perdeu a paixão pela profissão no decorrer dos anos, tornando-se rabugento, porém amável aos olhos de sua esposa, tentando se manter como uma espécie de “chefe” ao tentar estabelecer sempre a última palavra, tendo inclusive mais frases no roteiro do que a atriz supracitada, o que compõe seu personagem sem nunca ofusca-la.

Ademais, o resto do elenco consegue elevar a química dos dois, seja pela péssima relação entre pai e filho, em que a mãe acaba interferindo, ou em como um biógrafo que tenta escrever um livro sobre o personagem de Jonathan Pryce tenta descobrir o objeto de conflito apresentado pelo roteiro, ou até mesmo no nascimento do neto do casal com a sua outra filha, dando ares emotivos e mais humanos aos personagens.

Logo, A Esposa acaba valendo a espera desde 2017, se tornando uma grata surpresa em um ano que o cinema não foi tão forte, além de poder fazer com que finalmente a Academia reconheça a atuação merecida de Glenn Close, servindo para a consagração total de sua carreira.