Crítica| Você Nunca Esteve Realmente Aqui (You Were Never Really Here) [2018]

A brutalidade do talento de Joaquin Phoenix em evidência máxima numa trama inquietante

Quando assisti pela primeira vez o filme Gladiador (2000), lembro que o que mais me marcou foi a atuação daquele tirano, que Phoenix interpretava magistralmente como Imperador e anos mais tarde, o mesmo Joaquin Phoenix, atua brilhantemente no difícil e extremamente impactante, Johnny & June (2005). E não falo isso por ser fã de Johnny Cash, Phoenix destrói no papel do icônico “homem de preto”. Em 2013 vemos mais uma vez Phoenix destruindo nas telonas, dessa vez duplamente em um mesmo ano, com “The Master” e no excepcional e cada vez mais atual, “Her”. Um brilhante filme de Spike Jonze, que além da fotografia milimetricamente perfeccionista e sua paleta de cores, que consegue transparecer a alma da cena e provocar sentimentos no espectador, conta com a atuação monstruosa e alucinada de Phoenix, e ao mesmo tempo sensível, que nos faz rir e chorar com as vivências de seu personagem.

No filme “Você Nunca Esteve Realmente Aqui”, Phoenix vive Joe, um homem atormentado pelo seu passado, que anda pela noite da cidade, resgatando escravas sexuais presas em cativeiros em troca de dinheiro, descontando toda a sua fúria e brutalidade contra os responsáveis. Após aceitar um trabalho de um homem público da cidade, Joe se envolve em uma armadilha que desencadeia uma verdadeira onda de pura violência e assassinatos.

Qualquer semelhança desse filme com “O profissional (1994)”, “Taxi Driver (1976)” e “Old Boy (2003), não é mera coincidência. O escritor Jonathan Ames, parece ter criado em seu romance, um personagem saído do universo desses três filmes mencionados. Assim como a trama, pois nada de original se enxerga aqui, porém mesmo faltando originalidade no roteiro, onde sobram estranhezas, posso dizer que a única coisa que realmente incomoda, é o fato do filme se agarrar em marcas registradas de obras que deram certo, o que faz essas marcas se tornarem clichês, fora esse fator, o filme vai além da sombra dessas grandes obras citadas, pois mesmo não podendo se fazer melhor como história, a talentosa Lynne Ramsay (Precisamos Falar sobre Kevin), dá o seu toque detalhista, para construir uma viagem sombria para a mente perturbada de Joe.

Tamanhos detalhes que Ramsay explora, ficam evidentes na cena em que Joe acaba por ferir mortalmente um assassino que invade sua casa. Nessa cena, deitado ao eu lado, Joe o interroga de uma forma fria e ao mesmo tempo sensível, sussurrando, olhando em seus olhos, enquanto o homem ali agoniza e sangra até morrer. Essa cena consegue definir de uma forma visual, sem ter que apelar, ou explicar o seu contexto, o fato de como o personagem de Phoenix se sente diante de todas as coisas do mundo. Como se fosse uma casca vazia, sem vida. O seu anseio em morrer. A angústia que carrega, a morte que traz em seu olhar. Um tempo depois Joe percebe que o homem esvaindo-se em sangue ao chão, agora é apenas um corpo sem vida, e mesmo com toda sua frieza, o seu olhar explana emoção. Ramsay explora seu roteiro simples, de uma forma absurdamente emocional, mesmo não expondo esse sentimento abertamente, pois ele é lido nas entrelinhas, nos detalhes, nas expressões de Joe. 

Os planos longos e ângulos diferenciados são um toque à parte. A técnica de Lynne Ramsay, que em nenhum momento tem pressa de contar sua história, se sobressai e nos apresenta uma perspectiva de pura beleza mediante ao caos, pois o filme alterna entre uma trilha sonora marcante e uma fotografia memorável e foca muito mais em desenvolver o personagem de Phoenix, do que mostrar a trama do filme, o que acaba não sendo algo negativo, já que a trama se desenvolve ao mesmo tempo que o personagem de Phoenix se desenvolve. E mesmo sendo um processo lento, essa própria lentidão acaba dando um ar ainda mais sombrio ao filme, e fazendo com que certas cenas muito difíceis, sejam possíveis de serem executadas, da forma que foram, simplesmente devido ao tempo do filme ser mais lento e contemplativo.

Mas analisando a história e o que é visto na trama, se pode dizer que o longa é apenas um filme de qualidade, não possui nada de sensacional em si como história, porém o que difere o longa de Lynne Ramsay, é a interpretação visceral de Joaquin Phoenix, sendo uma interpretação completamente perturbada e incômoda. Phoenix consegue passar momentos de pura brutalidade e ódio e dosar isso com sensibilidade e dor, algo extremamente insano. Ele nos mostra um lado frio, doentio e calculista com uma profundidade completamente sensível. Se torna doloroso de assistir em certos momentos, a culpa que Joe carrega e sua vontade de morrer. Todo aquele conflito interno, descarregado na violência de poucos minutos e contido ao mesmo tempo, por quase o tempo todo.

Em uma de suas melhores atuações, Joaquin Phoenix faz valer cada segundo assistido desse filme, e a visão de Lynne Ramsay nesse thriller psicológico, encaixa perfeitamente com o ritmo de atuação de Phoenix, o que torna “Você Nunca Esteve Realmente Aqui” algo especial, mesmo incrustado dentro de vários clichês do cinema atual. E colocando a visão do filme dessa forma, rebato, que esse longa surpreende, não por ser uma história completamente original, o que de fato não é, mas pelo conteúdo de muita qualidade que dispõe, e por sua execução perfeccionista, de amor pelos detalhes, que enriquece cada cena assistida, tornando-o, mesmo frente há muitas críticas negativas, uma agradável surpresa dentre tantos títulos em lançamento neste ano.