Crítica | 1922 [2017]

Nota do Filme:

Desde o início, sabemos que as coisas não vão dar certo para Wilfred James (Thomas Jane), um sujeito abatido e assombrado que se hospeda em um deselegante hotel de Omaha e passa a descrever, em frenéticos rabiscos e narração rouca, terríveis acontecimentos. que ocorreu alguns anos antes. Em 1922, Wilfred é um não tão bem sucedido agricultor de Nebraska que se vê sob crescente pressão de Arlette (Molly Parker), sua esposa descontente, para vender sua propagação – ou pelo menos os 100 acres que ela trouxe para o casamento – e se mudar para a cidade grande. Mas Wilfred hesita. Sua irascibilidade é empolgada quando Arlette indica que seu plano envolve divórcio, uma venda forçada da fazenda e sua alegação de solidão custódia de Henry (Dylan Schmid), seu filho de 14 anos.

Seguindo essa trilha completamente estranha para o início, a direção de Hilditch se concentra em imergir o espectador junto ao que é contado antes de definitivamente fazê-lo. É com a tríade familiar desenvolvida de maneira rasteira que se compreende os conflitos internos e, vistos dessa forma, até fúteis entre a esposa e o marido. A motivação de Wilfred (Thomas Jane), quando misturada a todo o contexto e justificativas, bem como os monólogos em pensamento, soa psicopata demais até para a racionalização que a obra original tenta trazer para o que o fazendeiro está para cometer.

Já entregando intencionalmente a reviravolta inicial sob a qual o longa se diluirá, a direção imita os moldes de produções que buscam compreender o encanto e a apatia do público pelo desenvolvimento dos personagens e as cenas em que estão inclusos. Observando do que se trata a obra em si do começo ao fim, é totalmente justa a aposta do diretor. Rendendo cenas macabras e tentações bizarras, a estória que se passa na fazenda esconde não só a motivação egoísta daquele que reside dentro de Wilfred em seus diálogos, mas no que ele pode fazer para se soltar e cumprir seus desejos mais íntimos.

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A relação posterior dos dois personagens principais toma conta do cenário e da própria progressão da estória, mas acaba desacelerando em decepção (Foto: IMDb).

É através do monstro interno criado na literatura que o longa atravessa por meio das conversações com o filho do fazendeiro, Henry (Dylan Schmid), o caminho para um homem ainda mais ardiloso e capaz de enterrar-se com um segredo. Nessa sinergia previsível – mas longe de ser danosa – que o longa busca ter entre filho e pai, desenvolve até certo ponto momentos memoráveis de coerção, dúvida e sacrifício pelas duas mentes. Embora o filho passe a ser coagido pela figura paterna a quase todo momento, cria-se aos poucos em sua figura uma identidade independente que só é liberta de qualquer possível relação com o pai cada vez mais sufocado em sua mentira quando Shannon (Kaitlyn Bernard) interage com a engrenagem da estória diretamente.

Um pouco antes desse momento, a interpretação de Henry já decai na narrativa de modo chamativo. Quando o seu secundarismo passa a ser mais latente que o seu protagonismo dentro das transições e das pequenas surpresas que envolvem outros personagens e a própria fazenda, Henry se torna passivo o suficiente para ser só uma parte do cenário que o atropela em relevância. Com o crescimento evidente de Wilfred no holofote da narrativa, fica evidente a tentativa de sacrificar as cenas com o filho para melhor retratar o aspecto visual em si do que sente o maior protagonista. Passagens boas e que rendem o que a obra original passa aos poucos é o que se tem no fim disso. Contudo, sacrificar personagens de um núcleo já tão reduzido quanto o de 1922 é torcer para uma finalização que trate com igual relevância todos ali dentro. Nessa etapa, o roteiro peca tanto quanto o próprio Dylan Schmid.

Mesmo sendo tão simplista e, como já mencionado, focado em um desenvolvimento horripilante mais do que em uma grande reviravolta a qualquer momento, o filme também ganha pontos com a maneira que trata os seus impulsos de roteiro. Essas progressões para novas cenas, novos períodos da vida dos personagens e por conseguinte novas provações para cada um deles, é ainda parte notável da assinatura do diretor. Comprimir tantas parcelas descritivas da personalidade de cada um refletidas na obra literária e em suas vivências é um desafio natural de qualquer adaptação parecida, mas em 1922 isso se torna o maior de todos. Usando o visual em resumo do amplo textual, o diretor parte para a notoriedade das decisões como formadoras do ato seguinte e assim sucessivamente. Com a importância dos poucos personagens como combustíveis secundários ao ambiente da trama, é bem utilizada aqui uma trilha para o roteiro não muito esburacada em função do caráter adaptativo. Contudo, há uma dependência e pouca real ousadia do diretor dentro dela.

A figura da mãe atravessa uma curta temporada dentro da estória, só sendo realmente avaliada nos poucos flashbacks de Wilfred (Thomas Jane) algum tempo depois (Foto: IMDb).

Ainda que 1922 atropele algumas circunstâncias da obra original, progride como uma boa adaptação do começo ao fim. O ambiente é o personagem principal e acima dele só a própria narrativa na perspectiva de Wilfred ganha tamanha relevância. O roteiro conta sem rebuscar muito o conflito familiar interno da pequena fazenda. As cenas não poupam detalhes e fidelizam-se com a obra original com excelência nesse quesito.  Mesmo distante de ser um grande filme, 1922 conta com interpretações satisfatórias de um corpo igualmente pequeno de coadjuvantes e de uma excepcional entrega ao personagem feita por Thomas Jane.

Wilfred consegue externalizar praticamente tudo o que se espera para dentro da adaptação sem perder a essência ou corpo de um homem são que faz o errado pelos motivos certos. Trabalhando muito bem as noções morais e éticas da época, existe um debate social que nasce muito de fundo, mas que não é revisto em momento algum. É brincando com a sanidade e testando cenas realmente grosseiras do horror do autor que o diretor consegue trazer uma grande parte de 1922 para o cinema sem resíduo algum de grandes equívocos.