Cinematologia na Copa – Bélgica

Não sendo uma grande detentora de títulos, a Seleção Belga de Futebol entra nesta copa com a promessa de uma campanha desafiadora para os que a enfrentarem nas chaves. Sempre com um futebol balanceado aos seus títulos, os jovens craques belgas vestem vigor e velocidade em sua viva ameaça. Embora não possa ser chamada de uma vencedora, a equipe da terra da melhor batata frita do mundo impressiona nas escalações e nos titulares. As banais estratégias belgas já se provaram traiçoeiras nesta copa. Enganando em aparências, sua história no audiovisual copia a no esporte nesse quesito.

Sendo um dos mais ativos países na cooperação e participação estrangeira em filmes, a Bélgica é a mãe da estilística social retratada em obras de longa-metragem. Embora na Europa sejam banalizadas produções com essa exploratória, produções como a dos irmãos Dardenne se destacam pela criatividade dentro do gênero, principalmente presente no roteiro e nos diálogos pertinentes. Com ampla participação e premiações em festivais dentro e fora da Europa, produções como O Homem com Duas Vidas (1990) Os Infelizes (2009), viraram clássicos de sua manifestação.

 

Este texto faz parte de um especial da Cinematologia para a Copa do Mundo de 2018. Para conhecer um pouco mais o cinema de alguns dos países participantes, indicaremos produções, atores e diretores que fizeram história dentro e fora do território nacional.

 

Os Irmãos Dardenne

Hoje consagrados diretores, produtores e roteiristas belgas, Luc Dardenne (10 de março de 1954) e Jean-Pierre Dardenne (21 de abril de 1951) são os grandes responsáveis — se não o fator definitivo — por popularizar o acesso a cultura belga de cinema. Neste cenário, não tratamos da real entrada no cinema, onde se compra um ingresso, pipoca e se senta para assistir a qualquer produção. O que aconteceu com as produções de Dardenne foi muito de uma mera contribuição social. Embora sejam localmente mais conhecidos pelo trabalho como documentaristas, a dupla consegue a cada novo filme trazer a essência dos observativos e reflexivos produtos e transformá-los em uma trama geralmente simples e sem enfeites. Assim cristalizaram o cenário belga como uma potência paralela aos grandes ao retratar com técnica, crítica e sagacidade, rotina, desvarios e concepções que a sociedade cria e destrói a cada dia por conta do ser humano, o protagonista desta vastidão a ser explorada.

Tendo grande parte de suas obras (principalmente as roteirizadas e produzidas) feitas em cooperação com países europeus e latino-americanos, não desatinam a mão que preservam em suas próprias produções. Grande parte desta influência foi derramada em obras como Beyond the Hills (2012) e The Son (2002)Embora o cinema belga seja melhor curado no exterior, é comum que festivais e amostras se baseiem no ofício de cinema local para retratar justamente o elemento rotineiro e o certo grau de realismo banal em construções cinematográficas vindas do país. Com o alicerce da década passada, os dois irmãos trouxeram para as telas o manifesto para a compreensão do cinema belga em sua mensagem final: mostrar a vida enquanto alma quando encontra a arte enquanto corpo.

 

Alabama Monroe (2012)

Um melodrama pouco convencional sobre um casal que lida com a leucemia de sua filha mais nova, Almabama Monroe (2012), é um amálgama de gêneros e impulsos díspares, parte musical, parte drama da doença e parte da pesquisa sobre células-tronco. É baseado em uma peça de Johan Heldenbergh, que atua no filme como Didier, cuja esposa selvagem Elise (Veerle Baetens) é uma tatuadora e cantora.

Recontados em ordem cronológica, episódios do passado e do futuro do casal se desenrolam como uma melodia apalaches que circula sobre si mesma. Didier e Elise se encontram e descobrem que o relacionamento deles é irrevogavelmente transformado pela doença de sua filha Maybelle (Nell Cattrysse). O sofrimento da criança é representado sem hesitação: quando ela vomita e perde o cabelo, você tem a sensação fugaz de assistir a um filme de horror com efeitos sem escrúpulos — ou algo mais visualmente perverso e gratuito que isso. Uma ótima iniciação no trato belga e de como a contemporaneidade o mudou para que se tornasse comercial sem deixar de ser denso.

 

Rosetta (1999)

Nesta afiada e bem focada seguimentação do excelente A Promessa (1996), Luc e Jean-Pierre Dardenne dramatizam a história deprimente de uma garota de 17 anos que vive em um parque de trailers nos arredores de uma cidade belga. Rosetta (Emilie Dequenne) cuida de sua mãe fraca (Anne Yernaux), uma alcoólatra que regularmente faz sexo com o zelador do trailer. Ela procura comida, vende roupas e está obcecada em encontrar um emprego estável. Graças a Riquet (Fabrizio Rongione), que trabalha em um stand de waffle na rua, ela é contratada em uma padaria não muito longe.

Rosetta ganhou o altamente cobiçado Palma de Ouro no Festival de Cannes de 1999. O drama transmite vividamente a vida emocional e espiritual atrofiada de um adolescente que não tem tempo para nada além da luta pela sobrevivência. Sem qualquer comunidade, parentes ou amigos, ela não tem as habilidades sociais para se relacionar com os outros. É por isso que ela é capaz de trair a única pessoa que faz uma tentativa honesta de dela se aproximar. Com espírito semelhante ao presente em A Promessa, este filme belga eticamente carregado não oferece um final sentimental. Apenas as lágrimas há muito reprimidas de Rosetta. Toda a sua composição estreita o fazer belga de cinema de uma aparelhagem contemporânea e mais ousada. Isso é ainda mais visível nas transições e nos cenários mais bem figurados, algo ao qual o documental dos irmãos Dardenne nunca deu exatamente preferência.