As comédias de Ingmar Bergman, Martin Scorsese e Lars von Trier

Eles são cineastas renomados, com filmografias celebradas por seu alto nível de excelência. Dramas, questões existenciais e histórias de mafiosos são os temas pelos quais costumam ser associados. Já a comédia segue um caminho diametralmente oposto, algo dificilmente vinculado a esses nomes. No entanto, os diretores Ingmar Bergman, Martin Scorsese e Lars von Trier já se aventuraram nesse campo, e os resultados são bem interessantes. Nesse texto iremos abordar obras cômicas de cada um, e apontar como, mesmo em produções que buscam o riso, as características que os tornaram famosos continuam presentes.

O Olho do Diabo, de Ingmar Bergman

Quando pensamos no sueco Ingmar Bergman, dificilmente imaginamos algo relacionado à comédia, afinal seus filmes costumam abordar aspectos da psicologia humana ou questionamentos religiosos em tramas densas e nem sempre felizes. Mas em 1960 o autor de Através de um Espelho, Luz de Inverno e O Silêncio adaptou uma peça de Oluf Bang em que Satanás (Stig Järrel), sofrendo com um terçol insuportável, ordena que Don Juan (Jarl Kulle) suba do Inferno à Terra para seduzir a virgem Britt-Marie (Bibi Andersson), pois só assim seu olho ficará curado. O conquistador aceita o desafio, pois lhe é prometido que, em troca, ele conseguirá dormir em paz, sem sonhos. No entanto, a conquista acaba sendo mais complicada do que o imaginado, ainda mais depois que Juan começa a se apaixonar pela moça. 

Além da premissa absurda, Bergman exibe um curioso senso cômico, incluindo um narrador que literalmente nos diz qual o gênero do filme que estamos vendo, como se o próprio diretor tivesse noção do inusitado. Além disso, escolhas estilísticas e temáticas de sua filmografia, como closes e discussões sobre afeto não são abandonadas apenas por se tratar de uma comédia, o que torna O Olho do Diabo [Djävulens Öga] um momento precioso da filmografia do sueco.

Depois de Horas, de Martin Scorsese

Um jovem conhece uma garota em um café, rola um interesse mútuo e eles marcam um encontro no bairro do Soho, em Nova Iorque. Apenas mais um date entre duas pessoas em uma cidade grande, o que poderia dar errado? Muita coisa. Muita coisa mesmo.

O ano era 1985 e Martin Scorsese já havia se consolidado com filmes dramáticos como Caminhos Perigosos, Taxi Driver e Touro Indomável. Talvez a experiência de O Rei da Comédia, em 1982, tenha encorajado o diretor a se aventurar novamente nesse campo, e em Depois de Horas [After Hours] temos a típica história em que uma noite aparentemente tranquila é abalada por um evento inesperado que leva a outro, e mais outro, e mais outro, sempre aumentando de proporção até que situação foge completamente do controle (se você assistia Um Adolescente em Apuros na Tela de Sucessos, sabe bem do que eu estou falando). Aqui, o editor Paul (Griffin Dunne) só queria passar uma noite agradável com Marcy (Rosanna Arquette), mas a sucessão de acontecimentos surgida após ele sair de casa faz dessa noite a mais perturbadora de sua vida.

É curioso notar como a Nova Iorque de Scorsese, crua e hostil nos filmes de mafiosos que o consagraram, não muda muito de figura nesse caso, mesmo sendo uma comédia. Surgindo como um personagem à parte, a metrópole prova ser tão perigosa quanto qualquer criminoso.

O Grande Chefe, de Lars von Trier

Sim, o responsável por obras nada otimistas como Dançando no Escuro, Anticristo e Melancolia já fez um filme para te fazer rir. No longa O Grande Chefe [Direktøren for det hele], de 2006, o dinamarquês nos apresenta a Ravn (Peter Gantzler), chefe em uma empresa de informática. Para não ter que lidar com a insatisfação de seus funcionários na hora de tomar medidas impopulares, ele inventa um superior que seria o responsável pelas decisões. Porém, quando a empresa está prestes a ser vendida para um grupo islandês, o patrão fictício precisa aparecer para fechar o negócio. Ravn então contrata o ator Kristoffer (Jens Albinus) para essa função, mas o perfeccionismo do metódico artista faz as coisas não saírem como planejado.

O senso de humor de von Trier é, no mínimo – como já se poderia imaginar -, peculiar, com momentos em que ele parece estar rindo da nossa cara. Se em seus dramas às vezes sentimos como se estivessemos levando um tapa na cara, o mesmo pode-se dizer no final dessa comédia. Mas é um tapa na cara do bem.