Across The Universe — Uma odisseia beatleniana sobre amor

Os Beatles encantaram, encantam e encantarão as gerações, sempre marcada pela curiosidade das letras ou pela qualidade e acessibilidade das músicas, o fato é que quase todas as pessoas caem no encanto do quarteto de Liverpool. E o cinema também não resistiu a eles, cabendo a Julie Taymor contar uma história composta por músicas da banda, mesmo que de forma desconexa.

A trama possui três personagens principais, Jude, Lucy e Max, que, aliados do contexto do final dos anos 60, com os movimentos de contracultura, forma um romance que utiliza de toda essa atmosfera de revolução social do período para contar a história.

Com isso, o longa se inicia com Jude cantando Girl, querendo contar a sua história de amor para o público, sobre a garota dos seus sonhos. Em seguida surge Helter Skelter, de forma a mostrar que há uma grande confusão na época em que a narrativa se passa, podendo remeter ao futuro relacionamento dos dois.

Indo de contraste a isso, Hold Me Tight demonstra como os romances juvenis que Jude e Lucy possuem com outras pessoas, mesmo que temporários, possuem a mesma origem, com os anseios e desejos juvenis sendo os mesmos entre eles, principalmente na questão amorosa, não importando a diferença de classes sociais entre eles.

Quando Jude parte da Inglaterra para os Estados Unidos, ele canta All My Loving para a sua, até então, mulher amada, jurando o seu amor para ela. Já nos EUA, Lucy continua a canção para seu namorado, que está indo para a Guerra do Vietnã, mostrando como sempre os dois são reflexos de si próprio.

No meio disso, I Wanna Hold Your Hand é cantada por Prudence, a personagem que é quase irrelevante para trama, com esse numero servindo apenas para mostrar o sentimento do amor ao olhar para a pessoa amada, imaginando como seria se estivessem juntas, sendo uma exposição quase literal da letra, querendo segurar a mão dela quando sentir aquilo.

Apesar disso, quando Jude chega na América vai atrás do seu pai, que trabalha de zelador em um campus universitário, ele conhece Max, que é irmão de Lucy, e eles acabam se tornando amigos e utilizam-se de With a Little Help of my Friends para explicitar esse sentimento hedonista juvenil, de ir a bares, usar drogas, procurar mulheres, demonstrando esse amor fraterno entre eles.

Simultaneamente, Lucy recebe uma carta de seu amado que está na guerra e recita It Won’t Be Long, torcendo para que ele volte logo da guerra para ficarem juntos, ansiando para continuar esse relacionamento, mesmo que seja temporário. Além de mostrar como esse momento passa rápido para ela, visto que é a única vontade que possui.

Conforme a relação de Max e Jude avança, chega o momento em que Jude conhece a família de Max, sendo esse o dia de ação de graças, o que faz com que ele conheça Lucy, embalado por I’ve Just Seen a Face, mostrando como o florescimento do sentimento desse amor a primeira surge quando saem os três para se divertir, deixando clara a felicidade dele a cada olhar que ele dava a ela, não sendo reciproco nesse primeiro momento por conta do amado de Lucy que estava na guerra, relembrando que os dois possuem pendencias antes de ficarem juntos.

Após isso, Lucy recebe a noticia de que o seu amado retornará, só não sabia que seria morto. Depois disso a câmera corta para uma criança cantando Let It Be no meio de um conflito, passando o sentimento de acalento que a música transmite, indo de encontro ao velório dela própria em contraste com o amado de Lucy, servindo para purificar a alma e expiar a dor de todos que estão sofrendo, colocando em contraste as narrativas e mostrando que o sentimento das pessoas pelos falecidos é igual, independentemente de qualquer circunstância. Todos precisam dessa purificação espiritual nesse momento de despedida.

Após esses eventos, um amigo do amado de Lucy vai embora para a cidade grande, tentando deixar seu passado para trás e alcançar o seu sonho de vencer com a música, ao som de Come Together, mostrando todos núcleos da cidade, enquanto vai de rompante ao amadurecimento de Jude, que procura um emprego com suas ilustrações, com ambos tentando adquirir uma vida.

Com isso, Max e Jude são acolhidos por Sadie, a inquilina luxuriosa que recita Why Don’t We Do It In The Road para demonstrar esse amor sexual mais intenso com os personagens, principalmente de Jude para Lucy. E essa relação dos dois vai se tornando mais próxima, e explicita quando If I Fell In Love With You é utilizada, porém com a ressalva dela do que aconteceu da outra vez que se entregou para alguém. Apesar de querer fazer isso novamente ela possui cautela, sabendo que Jude responde reciprocamente, pois ele tem uma vida na cidade, fazendo com que Lucy viva o dilema desse medo de ser deixada novamente.

Contudo, conforme os dois estão nessa bonança, Max é convocado contra a sua vontade para o exército, sendo mais um dos jovens que é capturado para lutar na guerra, em que I Want You se torna bastante literal, ao coordená-los para irem direto ao campo de batalha: o famigerado Vietnã, carregando literalmente o peso americano para a batalha. Em contraste a isso, Sadie cantarola a mesma musica para o seu guitarrista, e Prudence para Sadie ou Lucy, estabelecendo dois significados para a musica dentro do contexto da época, mesmo que de forma bem antagônica.

Em dado momento no prosseguimento da narrativa, Prudence se tranca no quarto por conta da sua solidão, fazendo com que Sadie tente animá-la com Dear Prudence. Após isso, se juntam ao coro Jude, Lucy e Max, que retornou temporariamente, intensificando ainda mais o sentimento de acolhimento que todos querem passar para ela ao colocarem ela nas nuvens, literalmente, e mostrar que o mundo é muito maior do que ela pensa, ratificando isso com os protestos contra a Guerra do Vietnã, mostrando como o amor deve prevalecer ao ódio imperialista.

Conforme os movimentos sociais vão influenciando as personalidades dos personagens, em dado momento há a curiosidade sobre as drogas, sendo conduzidas por Dr. Robert, um líder de um coletivo psicodélico que deseja criar uma catarse coletiva, levando a maioria dos personagens para uma grande viagem, quase que literalmente, ao som de I Am The Walrus. Logo após Sadie ir para a reunião que pode mudar a sua carreira, todos viverão essa experiencia de amor livre, como se fosse algo fora do espaço, terminando com todos descendo em um acampamento espiritual, levantando a seguinte questão: já que ninguém é todo mundo, alguém pode ser qualquer um?

Após isso, os personagens são abandonados por Dr. Robert no tal acampamento, e são forçados a explorá-lo. Agora a experiencia passa a ser puramente psicodélica ao assistirem o espetáculo de Mr. Kite, com Being for the Benefit of Mr. Kite! sendo o motor desse momento. E para a conclusão dessa jornada psicodélica, os personagens se reúnem para exaltar o mundo em sua simplicidade, fazendo coro com Because, com todos profundamente imersos nos próprios sentimentos, principalmente Jude e Lucy, que fazem a própria viagem para dentro desse mar, com o coro de todos servindo para destaca-los dos demais, conforme o relacionamento dos dois avança ainda mais.

Quando a viagem psicodélica termina, Jude percebe que se apaixonou completamente por Lucy, retratando muito bem o sentimento expressado por Something, com ela se tornando grande parte da inspiração de seus desenhos, com um temor de abandona-la sendo criado em sua mente, ao compasso em que tenta entender como seu sentimento por ela se tornou exorbitante.

Logo em seguida, no show realizado por Sadie, a vocalista conta para o guitarrista sobre o fim da banda, o que se torna um reflexo para o relacionamento dos dois no palco, servindo como um próprio discurso dela para ele, em que utilizam Oh! Darling para demonstrar os sentimentos, enquanto para ele não importa porque ela já o apunhalou pelas costas, e mesmo após ela deixa o palco, agora é a vez dele de cantar a mesma música para situação, só que com os próprios sentimentos.

Posteriormente, Jude vai se tornando um ciumento infantil, colocando o amor que sente por Lucy em xeque pois ela está passando mais tempo com alguém ligado ao movimento hippie, se tornando uma manifestante contra a guerra do Vietnã, fazendo contraposição ao o que está sendo vivido por seu irmão, sofrendo com todo o sangue derramado. Para isso, Strawberry Fields Forever capta esse momento com perfeição e se utiiza da imagem para corroborar seu ponto. O vermelho dos morangos representa a raiva que o ciúme de Jude causa, o sangue dos soldados visto por Max, e eles são colocados na dubiedade do coração de Lucy, dando indícios que o relacionamento entre ela e Jude está ruindo, podendo também significar isso.

Por conta disso, Jude e Lucy brigam por conta dos novos conceitos anti-guerra que ela defende, com ele indo em reuniões do movimento e mostrando o seu lado psicótico por conta do ciúme doentio, cantando para ela Revolution, destruindo assim o frágil relacionamento a essa altura, faltando empatia para com a causa dela.

Após o ataque psicótico ciumento de Jude, ele vai para o bar e encontra o guitarrista de Sadie tocando While My Guitar Gently Weeps, demonstrando em como os dois lamentam as escolhas que fizeram, além de levantar a hipótese de Lucy não conseguir compreender o que aconteceu com Jude. E, ao ir embora para casa, ele percebe que Lucy foi embora e deixou ele sozinho, sobrando apenas a lamuria embalada por Across The Universe, forçando a meditar e procurar a resposta dos erros dentro do seu âmago, caminhando pelas ruas a fim de encontrá-la, indo mais precisamente no locam em Lucy está protestando.

Simultaneamente a isso, Sadie está cantando Helter Skelter em um show, ao passo em que Jude não para de cantar a mesma música, colocando o sentimento de fúria em destaque quando Lucy vai presa e ele tenta impedir isso. Já no Vietnã, o seu irmão continua presenciando os horrores da guerra, com cada um lidado com seus problemas por conta das convicções.

Por conta disso, Jude é deportado de volta para a Inglaterra e ele reencontra sua ex namorada e é ignorado porque ela se apaixonou por outro. Na América, Max retorna da guerra completamente destruído psicologicamente, com Happines is a Warm Gun embalando a sua recuperação, precisando de doses cavalares de remédios para suportar o fardo de existência pelas sequelas deixadas por ela.

Entre esses momentos, é possível ouvir o instrumental de A Day In The Life sendo tocado, com Lucy sentindo uma ameaça real pela primeira vez na vida. Apesar disso, quando o destino dos três se desencontra, resta a reflexão para cada um sobre os momentos que viveram, com Blackbird fazendo-os enxergar o que aconteceu nesse tempo, aflorando ainda mais o sentimento de vazio que permeia a relação deles.

Por essa razão, independente da distância, Jude e Max estão em bares opostos pelo oceano, quando ele ouve Max cantando Hey Jude, pedindo para ele não se deixar abater com o que aconteceu, colocando a realidade deles em reflexo mesmo após tudo. Com isso, Jude resolve retornar para a América, mesmo após ter sido extraditado, para reconquistar Lucy pois essa se torna a sua única convicção após tudo.

Quando ele retorna para a cidade, escuta Sadie cantando em cima do telhado Don’t Let Me Down com a antiga banda, servindo como símbolo máximo de reconciliação e reacendendo a chama de todos os amores passados, principalmente a de Lucy com Jude, pavimentando tudo para os dois se encontrarem de qualquer jeito.

Contudo, a polícia retira a banda do telhado antes do encontro acontecer, o que faz com que Jude suba e pegue o microfone para desabafar tudo o que está sentindo a fim de que Lucy o escute, cantando All You Need Is Love, se tornando essa a sua declaração final de amor para ela. E eis que ela surge no telhado para o reencontro fatídico dos dois sem precisar mostrar o momento de reconciliação, apenas ilustra que o amor é necessário.

Portanto, apesar de serem totalmente desconexas, é possível enxergar um sentido e uma narrativa com as músicas dos Beatles, provando novamente que pela simplicidade nasceu a beleza, e é isso que torna a ideia de Across The Universe brilhante, ou ao menos interessante.